Este é um assunto muito controverso, pois na Bíblia existem diversos trechos (que teriam sido escritos supostamente pelos Apóstolos), no qual afirmam, que Jesus nos "purificou", nos "libertou", ou "levou" todos os nossos pecados através do seu "sacrifício" ou seu "sangue", ou seja, por meio da sua "morte na cruz", e teria nos salvado. Entretanto, estas afirmações não estão de acordo com a verdadeira missão do Cristo e com os seus ensinamentos divinos, no qual diz que " os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação." (João 5:29). Vejamos os versículos a seguir:
" (...) o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado." (1 João 1:7)
"Ele levou pessoalmente todos os nossos pecados em seu próprio corpo sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e, então, pudéssemos viver para a justiça; por intermédio das suas feridas fostes curados." (1 Pedro 2:24)
"Ele foi entregue à morte para pagar todos os nossos pecados e ressuscitado para nossa completa justificação." (Romanos 4:25)
"Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos". (Romanos 3:5)
"Pois, pela morte de Cristo na cruz, nós somos libertados, isto é, os nossos pecados são perdoados. Como é maravilhosa a graça de Deus." (Efésios 1:7)
"Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior. "(1 Timóteo 1:15)
"Jesus Cristo, que é a testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos e o soberano dos reis da terra. Ele nos ama e nos libertou dos nossos pecados por meio do seu sangue..." (Apocalipse 1:5-6)
Diante desta e outras contradições, Allan Kardec recomenda que façamos análise das antigas escrituras e das comunicações dos Espíritos, submetendo todos os dados ao crivo da razão e da lógica. Portanto, se fizermos algumas reflexões à luz da Doutrina Espírita sobre este assunto, poderíamos questionar: Se Jesus morreu para nos salvar dos pecados, então já estamos salvos? Se isto é uma verdade, para que se preocupar em se melhorar? Para que é necessário corrigir-se dos nossos erros, se já obtemos a salvação pela graça de Deus? Por que é preciso fazer esforços para não cair na tentação do mal, se já somos perdoados sem ter o devido merecimento?
Como pode, Deus, sendo o Criador Supremo, Universal, enviar um único filho para resgatar os nossos pecados, quando que, pela Sua vontade, poderia simplesmente perdoar a todos nós? Quem iria proibi-lo de o fazer? Que justiça divina é essa que envia seu filho, um homem justo e bom, para morrer pelos pecadores? Por que um Espírito perfeito, um Messias, teria que sofrer pelos erros cometidos pelos outros?
Outra coisa: se Jesus morreu para nos salvar do pecado, porque o mundo continua cheio de pecados? Não era para todos estarem regenerados e purificados, ou seja, sem pecados?
Léon Denis faz outros questionamentos: "Se o sacrifício de Jesus resgatou os homens do pecado, porque, então, ainda os batizam? Essa redenção, em todo caso, não se pode estender senão unicamente aos cristãos, aos que têm conhecido e aceitado a doutrina do Nazareno. Teria ela, pois, excluído da sua esfera de ação a maior parte da Humanidade? Existem ainda hoje na Terra milhares, milhões de homens que vivem fora das igrejas cristãs, na ignorância das suas leis, privados desse ensino, sem cuja observância, dizem, "não há salvação". Que pensar de opiniões tão opostas aos verdadeiros princípios de amor e justiça que regem os mundos?
Não, a missão do Cristo não era resgatar com o seu sangue os crimes da Humanidade. O sangue, mesmo de um Deus, não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo, resgatar-se da ignorância e do mal. Nada de exterior a nós poderia fazê-lo. É o que os Espíritos, aos milhares, afirmam em todos os pontos do mundo. Das esferas de luz, onde tudo é serenidade e paz, DESCEU O CRISTO ÀS NOSSAS OBSCURAS E TORMENTOSAS REGIÕES, PARA MOSTRAR-NOS O CAMINHO QUE CONDUZ A DEUS: tal o seu sacrifício. A efusão de amor em que envolve os homens, sua identificação com eles, nas alegrias como nos sofrimentos, constituem a redenção que nos oferece e que somos livres de aceitar. Outros, antes dele, haviam induzido os povos ao caminho do bem e da verdade. Nenhum o fizera com a singular doçura, com a ternura penetrante que caracteriza o ensino de Jesus. Nenhum soube, como ele, ensinar a amar as virtudes modestas e escondidas. Nisso reside o poder, a grandeza moral do Evangelho, o elemento vital do Cristianismo, que sucumbe ao peso dos estranhos dogmas de que o cumularam." (Cristianismo e Espiritismo. Cap. 7. Os dogmas - Os sacramentos, o Culto. Léon Denis)
"Jesus não é mestre de ociosos. Jesus não é salvador de impenitentes. Para ociosos e impenitentes - o aguihão da dor. O sangue do Justo foi derramado no cumprimento de um dever que lhe fora imposto: não lava culpas nem apaga os pecados dos comodistas, dos preguiçosos, dos devotos de Epicuro e de Mamon.
A redenção, como a educação, é obra em que o interessado tem de agir, tem de lutar desempenhando a sua parte própria; sem o que, não haverá para ele mestre nem salvador. "(Nas pegadas do Mestre. Mestre e Salvador. Vinícius)
"O MESTRE NÃO VEIO PARA NOS LIVRAR DAS NOSSAS FALTAS, MAS ENSINAR-NOS O CAMINHO PARA NOS LIVRAR DELAS. Não veio tomar sobre seus ombros os encargos das nossas transgressões, mas indicar-nos, através das palavras edificantes dos Evangelhos, como aprimorar nossas qualidades e nos aproximarmos da perfeição." (Os padrões evangélicos. A paz? Não, espada.Paulo Alves Godoy)
Segundo o espírito Emmanuel, " a Justiça Divina observa todas as ocorrências, desde os menores impulsos que lhes deram começo. (...) O autor de uma falta, naturalmente, responderá por ela. Nos tribunais da imortalidade, cada Espírito devedor resgata as suas próprias contas." (Justiça Divina. Na luz da justiça. Espírito Emmanuel. Psicografado por Chico Xavier)
Quando Jesus Cristo na ceia pascal tomou o pão e disse: "Tomem e comam; isto é o meu corpo". Em seguida tomou o cálice, deu graças e o ofereceu aos discípulos, dizendo: "Bebam dele todos vocês. Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para perdão de pecados. "(Mateus 26:26-28), ele quis nos trazer um ensinamento simbólico.
Cairbar Schutel faz o seguinte esclarecimento: " Por esta passagem se vê claramente que Jesus não tratava do pão material nem do vinho de uva, mas da sua Doutrina, que é o alimento do Espírito, e precisa ser repartido com todos, para que todos os Espíritos não sintam fome de conhecimentos religiosos; para que todos sejam saciados com esse Pão que nos dá um corpo novo, incorruptível, imortal. As duas espécies: pão e vinho, não são mais que alegorias, que dão idéia da letra e do espírito; assim como a carne e o sangue especificam a mesma idéia: letra e espírito. Queria Jesus mais uma vez lembrar a seus discípulos que o seu corpo - que é a sua Doutrina - não pode ser assimilada unicamente à letra, mas precisa ser estudada e compreendida em espírito e verdade; por isso o Mestre acrescentou, quando os judeus se escandalizaram por haver ele dito que seus discípulos necessitavam comer a sua carne e beber o seu sangue: "A carne para nada presta, o espírito é que vivifica; as palavras que eu vos digo são espírito e vida." Não é, pois, com o pão, nem com a hóstia, que devemos comungar, mas, sim, com a Palavra do Cristo, com a sua Doutrina" (Parábolas e ensinos de Jesus. A ceia Pascoal. Cairbar Schutel).
Segundo o Espírito Emmanuel, "A verdadeira eucaristia evangélica não é a do pão e do vinho materiais, como pretende a igreja de Roma, mas, a identificação legítima e total do discípulo com Jesus, de cujo ensino de amor e sabedoria deve haurir a essência profunda, para iluminação dos seus sentimentos e do seu raciocínio, através de todos os caminhos da vida." ( O Consolador. Questão 318. Espírito Emmanuel. Psicografado por Chico Xavier).
Portanto, conclui-se: "A linguagem simbólica de Jesus favoreceu singularmente as interpretações mais contraditórias. "(Revista Espírita. Abril de 1866. Da Revelação. Allan Kardec)
Segundo Léon Denis, "Os apóstolos, escolhidos por Jesus para lhe continuarem a missão, muito bem o tinham sabido compreender; haviam recebido o impulso da sua vontade e da sua fé. Mas os seus conhecimentos eram restritos e eles não puderam senão conservar piedosamente, pela memória do coração, as tradições, os pensamentos morais e o desejo de regeneração que lhes havia ele depositado no íntimo.
(...) Através dos tempos que separam a morte de Jesus da redação definitiva dos Evangelhos, muitos pensamentos sublimes foram esquecidos, muitos fatos contestáveis aceitos como reais, muitos preceitos, mal interpretados, desnaturaram o ensino primitivo. "(Cristianismo e Espiritismo. Cap. 2. Léon Denis)
"Com Paulo e depois dele, novas correntes se formam e surgem doutrinas confusas no seio das comunidades cristãs. Sucessivamente, a predestinação e a graça, a divindade do Cristo, a queda e a redenção, a crença em Satanás e no inferno, serão lançados nos espíritos e virão alterar a pureza e a simplicidade ao ensinamento do filho de Maria. "(Cristianismo e Espiritismo. Cap. 1. Léon Denis)