QUAL A DIFERENÇA ENTRE O ESPIRITISMO E A UMBANDA?

Segundo Herculano Pires, "Há muitas confusões, feitas intencionalmente ou não, entre o Espiritismo e numerosas formas de crendice popular, inclusive as formas de sincretismo religioso afro-brasileiro, hoje largamente difundidas. (...)No tocante à Umbanda, já dissemos aqui, numerosas vezes, que se trata de uma forma de sincretismo religioso, ou seja, de mistura de religiões e cultos, com a qual o Espiritismo nada tem a ver. " (O mistério do bem e do mal. Cap. 1. J. Herculano Pires)

Por qual motivo ocorrem estas confusões?

Estas confusões ocorrem, pois há uma história muito propagada no Brasil, sem registro documental, de que a Umbanda teria surgido dentro da Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, sediada em Niterói. Segundo alguns relatos, o médium Zélio Fernandino de Moraes teria buscado ajuda espiritual neste local, porém não foi muito bem aceito pelo dirigente, pelo fato de ter incorporado o espírito do "Caboclo das Sete Encruzilhadas", que tinha a aparência espiritual de um sacerdote jesuíta. Sendo assim, em defesa dos pretos-velhos e dos caboclos, o médium teria dito que se ali não houvesse espaço para que os antigos escravos e indígenas "cumprissem sua missão", ele, o tal caboclo, fundaria no dia seguinte um novo culto, que se chamaria Umbanda.

A partir daí, foram implementados na Umbanda alguns princípios do Espiritismo, porém manteve-se ainda muitas tradições antigas sincréticas provenientes dos africanos (antigos escravos), dos índigenas e do catolicismo.

No entanto, há pesquisadores que contradizem partes desta história. David Dias, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que "Na ata de 15 de novembro de 1908 da citada federação (espírita) não há registros destes fatos, o nome do dirigente da suposta sessão não confere com a história, nem mesmo o nome de Zélio se faz presente". 

(...)Para o historiador Guilherme Watanabe, pai de santo do terreiro Urubatão da Guia, em São Paulo e membro fundador do Coletivo Navalha, Zélio é "a representação de uma grande construção histórica", do "mito de fundação que, a partir dos anos 1960, começa a se fazer no Rio". "Uma grande mentira", sentencia. (Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59677047)

Do mesmo modo, o Prof. Dr. Valdeli Carvalho da Costa, que trabalhou na mesma Universidade,  constatou que no século XIX  já haviam duas religiões afro-brasileiras semelhantes a Umbanda: a Cabula e a Macumba, conforme artigo da Revista Síntese n°41 (1987). Portanto, não se sabe de fato a origem verdadeira da Umbanda, se é realidade ou um mito, no qual acrescentaram elementos posteriores.  

Herculano Pires faz o seguinte apontamento: "O Espiritismo não participou da sua formação, embora os nossos sociólogos, em geral, exatamente por desconhecerem o Espiritismo, digam o contrário, pois confundem o mediunismo primitivo, de origem africana e indígena, com os princípios de uma doutrina moderna." (O mistério do bem e do mal. Cap. 1. J. Herculano Pires)

"O Mediunismo divide-se em vários ramos, correspondentes às nações africanas de que procedem. E há graus evolutivos em suas práticas mediúnicas. Nos terreiros de Umbanda as práticas são mais elevadas, voltadas para o bem. " (Mediunidade - Vida e Comunicação. Cap. 6. J. Herculano Pires)

"O Espiritismo é uma doutrina única, suficientemente proposta nas obras de Kardec e de seus sucessores, e suas práticas nada têm a ver com as práticas de macumba e semelhantes, que lhe querem atribuir. A macumba e seus derivados são formas de sincretismo religioso, de mistura de cultos e práticas das religiões que influíram nos primeiros tempos da formação de nosso povo. (...) Os negros escravos, catequizados pelos "sinhôs", sempre à força, e rebelando-se contra isso, misturaram seus deuses e seus cultos africanos com os santos e o culto católico, juntando-se, ainda, a essa mistura as crenças e práticas de nossos indígenas. "(O mistério do bem e do mal. Cap. 37. J. Herculano Pires)

O que podemos dizer, atualmente, é existem algumas semelhanças entre a prática da Umbanda e da Doutrina Espírita, tais como: a comunicação entre os vivos e os mortos, admitindo ambas, por conseguinte, a sobrevivência à morte do chamado "espírito"; a evolução do espírito através de vidas sucessivas (reencarnação); o resgate, podendo ser pela dor e sofrimento, das faltas cometidas em anteriores existências; a prática da caridade. Porém essas semelhanças não fazem da Umbanda uma "Doutrina Espírita" e sim uma religião  "Espiritualista".

De acordo com Allan Kardec,"TODO ESPÍRITA É NECESSARIAMENTE ESPIRITUALISTA; MAS, PODE-SE SER ESPIRITUALISTA SEM SE SER ESPÍRITA.  (...)A moral espírita decorre do ensino dado pelos Espíritos." (O Livro dos Médiuns. Segunda Parte. Cap. 32. Allan Kardec)

" O dom da mediunidade é tão antigo quanto o mundo". (O Livro dos Médiuns. Segunda Parte. Cap. 31. XI. Allan Kardec)

"Assim, o Espiritismo não descobriu nem inventou os médiuns, mas descobriu as leis da mediunidade, e a explica." (Revista Espírita. Novembro de 1865. O Patriarca José e o vidente de Zimmerwald. Allan Kardec)

"Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras, independentes de qualquer culto particular. (...) Como crença nos Espíritos, ele é igualmente de todas as religiões, assim como é de todos os povos, visto que, onde quer que haja homens, há almas ou Espíritos; que as manifestações são de todos os tempos, achando-se seus relatos em todas as religiões, sem exceção." (O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples. Histórico do Espiritismo. Allan Kardec)

"Ora, está provado que o Espiritismo é inseparável das idéias religiosas, principalmente das cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo; que condena as práticas de magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, fórmulas, sinais cabalísticos e palavras sacramentais." (Revista Espírita. Abril de 1863. Suicídio falsalmente atribuído ao Espiritismo. Allan Kardec)

"Em todos os tempos, os Espíritos Superiores condenaram o emprego de  signos e de formas cabalísticas, e todo Espírito que lhes atribui uma virtude qualquer ou que pretende dar talismãs que denotam magia, por aí revela a própria inferioridade, quer quando age de boa-fé e por ignorância, levado por antigos preconceitos terrenos, de que ainda se acha imbuído, quer quando conscientemente se diverte com a credulidade, como Espírito zombeteiro. Os sinais cabalísticos, quando não são mera fantasia, são símbolos que lembram crenças supersticiosas na virtude de certas coisas, como os números, os planetas e sua correspondência com os metais, crenças nascidas no tempo da ignorância e que repousam sobre erros manifestos, aos quais a Ciência fez justiça, mostrando o que há sobre os pretensos sete planetas, os sete metais, etc. A forma mística e ininteligível de tais emblemas tem o objetivo de impô-los ao vulgo, sempre inclinado a considerar maravilhoso aquilo que não compreende. Quem quer que tenha estudado a natureza dos Espíritos, não poderá racionalmente admitir sobre eles a influência de formas convencionais, nem de substâncias misturadas em certas proporções. Seria renovar as práticas do caldeirão das feiticeiras, dos gatos pretos, das galinhas pretas e de outras secretas maquinações.

(...)Regra geral: Para os Espíritos  superiores a forma nada é. O pensamento é tudo. Todo Espírito que liga mais importância à forma que ao fundo, é inferior, e não merece nenhuma confiança, mesmo quando, vez por outra, diga algumas coisas boas, porque as boas coisas são por vezes um meio de sedução. (...) Desnecessário dizer que ele também se aplica a outros meios empregados supersticiosamente, como preservativos de doenças e acidentes." (Revista Espírita. Setembro de 1858. Os talismãs  - Medalha cabalistica. Allan Kardec) 

"Unicamente o charlatanismo poderia afetar maneiras excêntricas e acrescentar acessórios ridículos." (O Céu e o inferno. Cap. 10. Item 10. Allan Kardec)

"Uma só garantia séria existe para o ensino dos  Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares. (...) Foi essa unanimidade que pôs por terra todos  os sistemas parciais que surgiram na origem do Espiritismo, quando cada um explicava à sua maneira os fenômenos, e antes que se conhecessem as leis que regem as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. (...) Essa a base em que nos apoiamos, quando formulamos um princípio da doutrina. (...) Quis Deus que a sua lei assentasse em base inamovível e por isso não lhe deu por fundamento a cabeça frágil de um só." (O Evangelho Segundo o Espiritismo.  Introdução. 2. Autoridade da Doutrina Espírita. Allan Kardec)  

O Espírito Barbaret afirma: "Como os apóstolos dos primeiros dias da era cristã, os Espíritos superiores vêm ensinar e dirigir. O livro dos Espíritos é toda uma revolução, porque é conciso e sóbrio: poucas palavras, muita coisa; nada de flores de retórica; nada de imagens, mas apenas pensamentos grandes e fortes, que consolam e fortalecem. É por isso que ele agrada, e agrada porque é facilmente compreendido. Eis o cunho da superioridade dos Espíritos que o ditaram. "(Revista espírita. Outubro de 1862.  Dissertações espíritas . Estilo de boas comunicações -Sociedade espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 - Médium: Sr. Leymarie / Allan Kardec)

Diante destas informações, vejamos os pontos discordantes, entre estas religiões:

ESPIRITISMO

1. Surgiu em 1857 na França, com a publicação de "O Livro dos Espíritos", revelado pelos Espíritos Superiores e organizado pelo codificador Allan Kardec.

2. O Espiritismo é uma doutrina religiosa, filosófica e científica; os seus seguidores são denominados Espíritas cristãos, pois um dos principais objetivos do Espiritismo é a melhoria moral, através dos ensinos do Cristo.

3. Não foi um espírito isolado quem fundou a Doutrina Espírita,  mas originou-se da concordância universal das revelações dos Espíritos Superiores e de uma lógica rigorosa, através de metodologia científica.

4. No Espiritismo não se prescreve nenhum culto exterior: não há altares, nem estátuas ou imagens de santos, pois ensina que podemos pedir auxílio aos bons Espíritos diretamente através do pensamento.

5. Além disso, não utiliza-se de símbolos ou objetos (tais como: sinais cabalísticos, cartomancia, numerologia, pontos riscados, patuás, amuletos, guias, talismãs, etc.), pois esclarece que nenhum deles possuem ação sobre os Espíritos.

6. Não faz uso de nenhuma substância externa ou via oral para purificar o ambiente ou afastar os maus fluídos dos indivíduos, pois somente a prática do bem e a oração podem repelir as energias maléficas, provenientes dos Espíritos obsessores.

7. A Reunião de Desobsessão (Reunião reservada) consiste em esclarecer o Espírito obsessor, por meio de conselhos prudentemente dirigidos, através de um médium equilibrado, que impeça manifestações agressivas, a fim de  torná-lo melhor e  fazê-lo desistir do propósito de perturbar o doente.

8. Na Doutrina Espírita não há rituais e dogmas, todos os trabalhos de evangelização, desobsessão e cura, são realizados em silêncio e recolhimento, com base nos ensinos do Cristo, que utilizava-se das palavras para ensinar, oração e simples imposição das mãos (passe magnético).

9. Qualquer tipo de Espírito, seja bom ou mau, pode se manifestar em reuniões sérias, desde que tenha um propósito e caso seja permitido por Deus, pois os Espíritos são as almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos.

10. O Espiritismo afirma  expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos toda sorte de  perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e não para se ocuparem de interesses materiais, sendo assim, não fazem adivinhações.

UMBANDA

1.  Originou-se no Brasil, supostamente em 1908,  com a comunicação espiritual dada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, por meio do médium Zélio Fernandino de Moraes, porém a Cabula e a Macumba são consideradas precursoras desta religião afro-brasileira.

2. A Umbanda é uma religião de sincretismo religioso, que mistura conceitos das religiões Africanas, Indígenas, do Catolicismo e do Espiritismo.

3. Nesta religião não seguem livros de autores específicos e também não utilizam-se de metodologia científica, ou seja, critérios pré-estabelecidos para averiguar se a revelação de uma teoria feita por tal entidade (espírito) é verdadeira ou falsa.

4. Na Umbanda há altares, com estátuas, onde cultua-se os santos católicos, que representam os orixás, forças da natureza, que são os deuses dos antigos africanos, e há imagens dos seus guias, que são as entidades de pretos-velhos, exus, pomba-giras, cablocos, etc...  

5. Utilizam-se de objetos, tais como, patuás, amuletos, guias, talismãs, para se proteger de energias negativas e pontos riscados, que são símbolos que representam a assinatura das entidades.

6. Fazem uso de incenso e velas para purificar os ambientes e os médiuns utilizam-se de bebidas alcoólicas e do cachimbo ou charuto, para fazer a limpeza de "cargas negativas" dos indivíduos (consulentes).

7. Os Espíritos obsessores (quiumbas) são expulsos, através de rituais e, geralmente, pelo uso da força, e se manifestam  por convulsões, contorções, jogam-se ao chão, esfolando-se no pavimento, segundo a explicação dos pais-de-santo dos terreiros, que coordenam os trabalhos.

8. Todos os trabalhos espirituais possuem rituais que são, geralmente, acompanhados de pontos-cantados ritmados por palmas, e, liturgicamente, dançados, pelos filhos-de-santo, com uma ginga de corpo, no terreiro em que se encontram. 

9. Somente algumas entidades, tais como, por exemplo, as pombas-giras, os pretos-velhos, os caboclos, os exus, etc., que possuem características de personalidades específicas (arquétipos estereotipados), podem se manifestar e os médiuns precisam utilizar vestimentas apropriadas durante a "gira", o transe medúnico.

10. Na Umbanda é permitido pedir qualquer tipo de conselho às entidades, seja sobre soluções para problemas financeiros, amorosos, profissionais, de saúde, e geralmente, prescrevem banho com ervas, oferendas ou alguns rituais para fins de cura.  

Diante do exposto, devemos seguir a recomendação de Herculano Pires, que diz assim: "Nós, espíritas, devemos respeitar na Umbanda uma religião nascente, mas não podemos admitir confusões entre as suas práticas sincréticas e as práticas espíritas."  (O mistério do bem e do mal. Cap. 1. J. Herculano Pires)

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