Na Revista Espírita de 1865, temos o seguinte esclarecimento:
"A destruição dos seres vivos uns pelos outros é uma das leis da Natureza que à primeira vista parece conciliar-se menos com a bondade de Deus. Pergunta-se por que teria ele estabelecido como lei a necessidade se destruírem mutuamente para se alimentarem uns à custa dos outros.
Para aquele que apenas vê a matéria, que limita sua visão à vida presente, isto parece, com efeito, uma imperfeição na obra divina, e daí os incrédulos tiram a conclusão que não sendo Deus perfeito, não há Deus. É que eles julgam a perfeição de Deus a partir de seu ponto de vista. Seu próprio julgamento é a medida de sua sabedoria, e eles pensam que Deus não poderia fazer melhor do que eles próprios fariam. Não lhes permitindo sua curta visão julgar o conjunto, não compreendem que um bem real possa derivar de um mal aparente. Só o conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e da grande lei de unidade que constitui a harmonia da criação, pode dar ao homem a chave desse mistério, e mostrar-lhe a sabedoria providencial e a harmonia precisamente onde ele não via senão uma anomalia e uma contradição. Dá-se com esta verdade o mesmo que se dá com muitas outras, pois o homem não é apto para sondar certas profundezas senão quando seu Espírito chega a um suficiente grau de maturidade.
A verdadeira vida, tanto do animal quanto do homem, não está mais no envoltório corporal do que na roupa. Ela está no princípio inteligente que preexiste e sobrevive ao corpo. Esse princípio necessita do corpo para se desenvolver pelo trabalho que ele deve realizar sobre a matéria bruta. O corpo se desgasta nesse trabalho, mas o Espírito não; ao contrário, dele sai cada vez mais forte, mais lúcido e mais capaz. Que importa, pois, se o Espírito muda mais vezes ou menos vezes de envoltório? Ele não deixa de ser Espírito por esse motivo. Acontece absolutamente como se um homem renovasse o seu vestuário cem vezes em um ano. Nem por isso ele deixaria de ser o mesmo homem. Pelo espetáculo incessante da destruição, Deus ensina aos homens o pouco caso que devem fazer do envoltório material, e neles suscita a ideia da vida espiritual, fazendo-os desejá-la como uma compensação.
Perguntarão se Deus não poderia chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem submeter os seres vivos a se destruírem mutuamente. Bem esperto aquele que pretendesse penetrar os desígnios de Deus! Se tudo é sabedoria em sua obra, devemos supor que essa sabedoria não esteja mais ausente neste ponto do que nos outros. Se não o compreendemos, devemos culpar o nosso pouco adiantamento. Contudo, podemos tentar encontrar a razão disto tomando por bússola este princípio: Deus deve ser infinitamente justo e sábio. Busquemos, pois, em tudo, sua justiça e sua sabedoria.
Uma primeira utilidade que se apresenta dessa destruição, utilidade sem dúvida puramente física, é esta: Os corpos orgânicos não se mantêm senão à custa de matérias orgânicas, as únicas que contém os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Como os corpos, instrumentos de ação do princípio inteligente, precisam ser incessantemente renovados , a Providência faz com que eles sirvam à sua mútua manutenção. É por isso que os seres se nutrem uns dos outros, isto é, que o corpo se nutre do corpo. No entanto, o Espírito não é aniquilado nem alterado. Ele apenas é despojado de seu envoltório.
Além disso há considerações morais de ordem mais elevada.
A luta é necessária ao desenvolvimento do Espírito, porque é na luta que ele exercita suas faculdades. Aquele que ataca para obter seu alimento e aquele que se defende para conservar sua vida fazem exercícios de astúcia e de inteligência e aumentam, consequentemente, suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe. Mas o que foi que, na realidade, o mais forte ou mais apto tirou do mais fraco? Sua vestimenta de carne, e nada mais. O Espírito, que não morreu, mais tarde tomará outra.
Nos seres inferiores da criação, naqueles em que o senso moral não existe, nos quais a inteligência ainda está no estado de instinto, a luta não poderia ter por móvel senão a satisfação de uma necessidade material. Ora, uma das mais imperiosas necessidades materiais é a da alimentação. Assim, eles lutam unicamente para viver, isto é, para apanhar ou defender uma presa, pois não poderiam ser estimulados por um móvel mais elevado. É nesse primeiro período que a alma se elabora e se prepara para a vida. Quando atingiu o grau de maturidade necessário à sua transformação, ela recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o senso moral, numa palavra, a centelha divina, que dá um novo curso às suas ideias, dotando-a de novas percepções. Mas as novas faculdades morais de que ela é dotada só se desenvolvem gradativamente, pois nada é brusco na Natureza; há um período de transição, no qual o homem mal se distingue do bruto. Nas primeiras idades domina o instinto animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das necessidades materiais. Mais tarde, o instinto animal e o sentimento moral se contrabalançam; então o homem luta, não mais para se alimentar, mas para satisfazer sua ambição, seu orgulho, a necessidade de dominar. Para isto ainda lhe é necessário destruir. Mas, à medida que o senso moral prepondera, desenvolve-se a sensibilidade e diminui a necessidade de destruição, acabando mesmo por se tornar odiosa e apagar-se. O homem adquire horror ao sangue. Contudo, a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do Espírito porque, mesmo tendo chegado a esse ponto, que nos parece culminante, ele está longe de ser perfeito; só ao preço de muita atividade ele adquire conhecimentos e experiência, e se despoja dos últimos vestígios da animalidade. A luta, que era sangrenta e brutal, se torna puramente intelectual. O homem, então, luta contra as dificuldades e não mais contra os seus semelhantes." (Revista Espírita. Abril de 1865. Destruição recíproca dos seres vivos. Allan Kardec)
No entanto, sabemos que após desenvolver o livre-arbítrio e senso moral, alguns homens se desviam do propósito divino e escolhem o caminho do mal pelo seu egoísmo e orgulho, continuando a lutar cruelmente contra os seus semelhantes, exagerando o instinto que Deus lhe outorgou para sua conservação. (Vide: Revista Espírita. Julho de 1869. O Egoísmo e o orgulho. Allan Kardec).
Neste caso, segundo Allan Kardec, "O Espírito culpado é punido pelos sofrimentos morais no mundo dos Espíritos, e pelas penas físicas na vida corpórea. Suas aflições são conseqüências de suas faltas, quer dizer, de sua infração à lei de Deus; de modo que constituem simultaneamente uma expiação do passado e uma prova para o futuro é assim que o orgulhoso pode ter uma existência de humilhação, o tirano uma vida de servidão; o rico mau uma encarnação de miséria."
"Deus não criou o mal; estabeleceu leis, e essas leis são sempre boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente seria perfeitamente feliz; mas os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempre as observaram, e o mal veio de sua desobediência." (O Espiritismo em sua mais simples expressão. Resumo do ensinamento dos Espíritos. Itens 17 e 7. Allan Kardec)
Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?
"Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação de que desfrutam é limitada pelas suas necessidades, e não se pode comparar à do homem. Sendo bem inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material." (O Livro dos Espíritos. Questão 595. Allan Kardec)
Os animais não fazem escolhas entre o bem e o mal, pois não possuem senso moral. Eles não agem por maldade ou vingança. Os animais matam ou agridem para sua sobrevivência material. Se eles não cometem erros, estariam sujeitos a sofrerem expiação, assim como os homens?
Com relação a este assunto, Allan Kardec faz a seguinte pergunta aos Espíritos Superiores e o temos a seguinte resposta:
Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?
"Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação." (O Livro dos Espíritos. Questão 602. Allan Kardec)
No livro "Aulas da vida", psicografado por Chico Xavier, o Espírito Emmanuel faz a seguinte elucidação sobre este tema, dizendo:
"Se os animais estão isentos da lei de causa e efeito, em suas motivações profundas, já que não têm culpas a expiar, de que maneira se lhes justificar os sacrifícios e aflições?
Assunto aparentemente relacionado com injustiça, mas a lógica nos deve orientar os passos na solução do problema. Imperioso interpretar a dor por mais altos padrões de entendimento. Ninguém sofre, de um modo ou de outro, tão-somente para resgatar o preço de alguma coisa. Sofre-se também angariando os recursos precisos para obtê-la. Assim é que o animal atravessa longas eras de prova a fim de domesticar-se, tanto quanto o homem atravessa outras tantas longas eras para instruir-se.
Que mal terá praticado o aprendiz a fim de submeter-se aos constrangimentos da escola?
E acaso conseguirá ele diplomar-se em conhecimento superior se foge às penas edificantes da disciplina?
Espírito algum obtém elevação ou cultura por osmose, mas sim através de trabalho paciente e intransferível. O animal igualmente para atingir a auréola da razão deve conhecer benemérita e comprida fieira de experiências que terminarão por integrá-la na posse definitiva do raciocínio. Compreendamos, desse modo, que o sofrimento é ingrediente inalienável no prato do progresso.
Todo ser criado simples e ignorante é compelido a lutar pela conquista da razão, e atingindo a razão, entre os homens, é compelido igualmente a lutar a fim de burilar-se devidamente.
O animal se esforça para obter as próprias percepções e estabelecê-las. O homem se esforça avançando da inteligência para a sublimação. Dor física no animal é passaporte para mais amplos recursos nos domínios da evolução. Dor física, acrescida de dor moral no homem, é fixação de responsabilidade em trânsito para a Vida Maior.
Certifiquemo-nos, porém, de que toda criatura caminha para o reino da angelitude, e que, investindo-se na posição de espírito sublime, não mais conhece a dor, porquanto o amor ser-lhe-á sol no coração dissipando todas as sombras da vida ao toque de sua própria luz." (Aulas da vida. Animais em sofrimento. Espírito Emmanuel. Psicografado por Chico Xavier)
No livro "Ação e Reação", psicografado por Chico Xavier, ditado pelo Espírito André Luiz, relata que podemos identificar na experiência terrestre três tipos de dores: a dor-evolução, a dor-expiação e a dor-auxílio. Referindo-se diretamente ao caso dos animais, o mentor Druso afirma: "A dor é ingrediente dos mais importantes na economia da vida em expansão. O ferro sob o malho, a semente na cova, o animal em sacrifício, tanto quanto a criança chorando, irresponsável ou semiconsciente, para desenvolver os próprios órgãos, sofrem a dor-evolução, que atua de fora para dentro, aprimorando o ser, sem a qual não existiria progresso". (Ação e reação. Cap. 19. Espírito André Luiz. Psicografado por Chico Xavier)
Conclui-se, portanto, que no sentido material os animais sofrem para nutrir uns aos outros, através dos seus corpos orgânicos, que constitui uma lei natural que mantém o equilíbrio do ecossistema e conservação das espécies, inclusive dos seres humanos que precisam da carne desses seres inferiores para se alimentar. No sentido moral, os animais sofrem para desenvolver a inteligência, através da luta pela sua sobrevivência. É nesse primeiro período que a alma (princípio inteligente) se elabora e se prepara para a vida. O animal igualmente para atingir a auréola da razão deve passar por um longo período de experiências, na forma de dor e prazer, de satisfação e de desgosto, que terminarão por integrá-lo na posse definitiva do raciocínio e dos sentimentos, grau de maturidade necessário à sua transformação em seres humanos, onde recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o senso moral. Sem o sofrimento e experiências, não haveria evolução. No entanto, os animais não precisam sofrer expiações, pois não cometem infrações das leis divinas.