Segundo Herculano Pires, "Uma das maiores dificuldades da prática do Espiritismo (...) reside na falta de compreensão dos objetivos da Doutrina. As pessoas que ingressam no Espiritismo, vindas do campo religioso, pretendem praticá-lo à maneira de uma nova seita. As que provêm do campo materialista, ou simplesmente do descampado da descrença, querem acomodá-lo ao "dolce far niente" (doce prazer de não fazer nada) a que estavam habituadas.
Nenhuma dessas duas atitudes corresponde aos objetivos do Espiritismo. O espírita não pode ser um religioso do tipo comum, apegado aos santos de sua devoção ou aos Espíritos Guias, aferrado fanaticamente às tendências místicas do passado, porque o Espiritismo o liberta desse condicionamento emocional, chamando-o à responsabilidade própria, através do uso da razão. O espírita não pode ser, também, um indiferente aos problemas religiosos, um crítico amargo da religiosidade alheia, um homem apegado ao mundo com unhas e dentes, porque o Espiritismo lhe ensina a respeitar as etapas evolutivas da humanidade e ao mesmo tempo o liberta das atrações e ilusões da vida material.
A posição do espírita é certamente difícil, porque é a do equilíbrio entre os extremos. Nem fanatismo religioso, nem apego à vida prática, nem indiferença pela Religião ou pela vida. Por isso mesmo, os religiosos nos acusam de falta de Religião e os materialistas nos acusam de fanáticos e sectaristas.
(...) A posição do espírita é hoje escândalo para os religiosos e loucura para os homens do mundo. Porque o espírita não se submete aos dogmas e sacramentos da liturgia humana, como também não se perde na competição das glórias e conquistas mundanas. Consciente do processo evolutivo, que o Espiritismo lhe ensina, o espírita só admite a fé raciocinada e por ela regula a sua conduta." (O infinito e o finito. Cap. 17. J. Herculano Pires)
De acordo com Allan Kardec, a fé pode ser raciocinada ou cega. "Nada examinando, a fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso, e a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Em assentando no erro, cedo ou tarde desmorona; somente a fé que se baseia na verdade garante o futuro...(...) A fé raciocinada, que se apóia nos fatos e na lógica, não deixa nenhuma obscuridade: crê-se, porque se tem a certeza, e só se está certo quando se compreendeu." (O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 19. Item 6 e 7. Allan Kardec)
"A Doutrina Espírita não é secreta... Não tem mistérios para ninguém e se mostra à luz da publicidade. Não é mística nem abstrata nem ambígua, mas clara e ao alcance de todos; nada tendo de alegórico, não pode dar lugar a equívocos nem a falsas interpretações; diz claramente o que admite e o que não admite. Os fenômenos cuja possibilidade reconhece, não são sobrenaturais nem maravilhosos, mas fundados nas leis da Natureza, de sorte que ela não faz milagres nem prodígios." (Revista Espírita. Dezembro de 1865. Os romances espíritas. Allan Kardec)
Diante deste fato, Herculano Pires faz o seguinte esclarecimento:
" Quando tratamos do Espiritismo como Religião racional, capaz de atender ao anseio de esclarecimento dos problemas espirituais, de acordo com as tendências do homem moderno em todos os campos do conhecimento, não queremos dizer que o Espiritismo desvende todos os mistérios. A natureza racional da doutrina constitui apenas uma direção do pensamento. Seria demasiada ingenuidade supor alguém, nesta fase da evolução humana, que alguma doutrina pudesse "explicar tudo". O Espiritismo não tem essa pretensão. O que ele pretende é apenas mostrar que tudo pode ser conhecido e explicado, na proporção em que o homem evolui, e que os mistérios de hoje serão desvendados amanhã.
É curioso como as afirmações mais puras, mais livres de segundas intenções, acabam servindo de motivo para combate ao Espiritismo. Se, de um lado, dizemos que no Espiritismo não há mistérios, surgem adversários acusando a doutrina de simplista.
Se, de outro lado, dizemos que o Espiritismo não pode explicar tudo, surgem os que nos acusam de simplismo de outra natureza, por incapacidade filosófica. Mas a verdade é a verdade e não podemos fazer o papel do homem que acabou carregando o burro que lhe servia de montaria. A verdade, neste caso, é uma só. Os que não quiserem vê-la fecharão os olhos - e ao pior cego nada se pode mostrar -, mas os que desejarem compreendê-la, facilmente a verão. A verdade é que o Espiritismo é uma doutrina racional, que procura o esclarecimento de todos os problemas em termos de razão, mas não considera o homem suficientemente evoluído para saber tudo.
Quando dizemos que não há mistérios no Espiritismo, não queremos dizer que não haja mistérios no mundo. Realmente, o Espiritismo procura explicar o Universo através da razão humana, de maneira compreensível. Mas há coisas que estão além da razão, como, por exemplo, o problema do início das coisas. Os próprios Espíritos, interpelados a respeito, responderam a Kardec que não estavam em condições de esclarecer o problema. Não obstante, adiantaram: "O véu se levanta para o homem à medida que ele se depura; mas, para compreender certas coisas, faltam-lhe faculdades que ele ainda não possui." Quando Kardec pergunta: "Pode o homem compreender a natureza íntima de Deus", os Espíritos lhe respondem: "Não; falta-lhe um sentido para isso."" (O infinito e o finito. Cap. 18. J. Herculano Pires)
Devido a esta e outras questões, existe grande dificuldade de certos indivíduos aceitarem alguns conceitos espíritas: os religiosos de outras crenças exigem que o Espiritismo seja uma doutrina que faça a interpretação literal dos trechos bíblicos, ou seja, siga os dogmas e rituais que foram impostos pelas igrejas durante muitos séculos, pois não conseguem perceber as distorções de interpretação que eles fizeram dos ensinos do Cristo. Além disso, são apegados aos cultos exteriores, pois acreditam que somente através deles conseguirão obter a salvação. Em contrapartida, os materialistas exigem provas materiais da existência de Deus, da alma e da possibilidade de reencarnar, para que possam acreditar na Doutrina Espírita, pois eles dão mais importância a comprovação dos fenômenos psicofísicos, esquecendo-se de que a ciência terrestre ainda é pouco avançada e o que realmente importa são os ensinamentos morais trazidos pelos Espíritos para a sua melhoria íntima.
"Alguns incrédulos se admiram de que os Espíritos tão poucos esforços façam para os convencer. A razão está em que estes últimos cuidam preferentemente dos que procuram, de boa fé e com humildade, a luz, do que daqueles que se supõem na posse de toda a luz e imaginam, talvez, que Deus deveria dar-se por muito feliz em atraí-los a si, provando-lhes a sua existência. (...) Não é à incredulidade que compete prescrever-lhe o que deva fazer, nem lhe cabe dizer: "Se me queres convencer, tens de proceder dessa ou daquela maneira, em tal ocasião e não em tal outra, porque essa ocasião é a que mais me convém." (...) Deus impõe condições e não aceita as que lhe queiram impor. Escuta, bondoso, os que a Ele se dirigem humildemente e não os que se julgam mais do que Ele. "(O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 7. Item 9. Allan Kardec )
Portanto, se alguém quiser ser adepto do Espiritismo saiba que, "O verdadeiro Espírita não é o que crê nas manifestações, mas aquele que faz bom proveito do ensinamento dado pelos Espíritos. Nada adianta acreditar se a crença não faz com que se dê um passo adiante no caminho do progresso e que não o faça melhor para com o próximo." (O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples. Máximas extraídas do ensinamento dos espíritos. Item 36. Allan Kardec )
Além disso, o verdadeiro espírita tem consciência de que "Todas as formas rituais do passado mágico e religioso não passam de adendos pretensiosos dos homens à técnica natural e simples do Evangelho. " (Ciência espírita e suas implicações terapêuticas. Cap. 8. J. Herculano Pires)
Pois, na realidade, o que importa de verdade é a nossa reforma íntima e colocar em prática os ensinos morais do Cristo!