No livro "Nosso lar" , psicografado por Chico Xavier, obtemos a seguinte descrição do que o Espírito André Luiz viu e sentiu, enquanto esteve no umbral, zonas inferiores próximas da Terra, após cometer suicídio indireto:
"Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas grades escuras do horror. Cabelos eriçados, coração aos saltos, medo terrível senhoreando-me, muita vez gritei como louco, implorei piedade e clamei contra o doloroso desânimo que me subjugava o espírito; mas, quando o silêncio implacável não me absorvia a voz estentórica, lamentos mais comovedores que os meus respondiam-me aos clamores. Outras vezes gargalhadas sinistras rasgavam a quietude ambiente. Algum companheiro desconhecido estaria, a meu ver, prisioneiro da loucura. Formas diabólicas, rostos alvares, expressões animalescas surgiam, de quando em quando, agravando-me o assombro. A paisagem, quando não totalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como que amortalhada em neblina espessa, que os raios de Sol aquecessem de muito longe.
(...)De início, as lágrimas lavavam-me incessantemente o rosto e apenas, em minutos raros, felicitava-me a bênção do sono. Interrompia-se, porém, bruscamente, a sensação de alívio. Seres monstruosos acordavam-me, irônicos; era imprescindível fugir deles.
"Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!" - gritos assim, cercavam-me de todos os lados. (...) Gargalhadas sarcásticas feriam-me os ouvidos, enquanto os vultos negros desapareciam na sombra. Para quem apelar? Torturava-me a fome, a sede me escaldava. Comezinhos fenômenos da experiência material patenteavam-se-me aos olhos. Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se com os esforços da resistência, na região desconhecida.
(...)De quando em quando, deparavam-se-me verduras que me pareciam agrestes, em torno de humildes filetes d'água a que me atirava sequioso. (...)Muita vezes suguei a lama da estrada, recordei o antigo pão de cada dia, vertendo copioso pranto. " (Nosso Lar. Cap. 1 e 2. Espírito André Luiz. Psicografado por Chico Xavier)
Apesar do Espírito André Luiz afirmar que tais cenas vistas nas zonas inferiores sejam reais, existem espíritas ortodoxos contrariando esta hipótese, dizendo que trata-se apenas de uma obra de ficção, onde o autor acrescenta elementos da crença do inferno arraigado ainda do catolicismo, pois descreve uma região sombria, constituída por seres diabólicos, que causam sofrimentos terríveis. Consideram impossível que tais cenas sejam reais, pois afirmam categoricamente: "Inexistem lugares destinados à purgação de penas." Além disso, argumentam que os Espíritos não podem sentir sensações corporais de fome e sede, visto que os desencarnados não possuem orgãos no perispírito e não podem ter tais impressões.
Vejamos os trechos isolados das obras publicadas pelo Codificador que estes Espíritas utilizam-se para refutar tal teoria:
"As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa."
(...) o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina?
"São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e desditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.
A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender. "(O Livro dos Espíritos. Questão 1012. Allan Kardec)
"Como Espírito, está isento de dores físicas; dependendo, porém, das faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas, e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova existência." (O Livro dos Espíritos. Questão 983. Allan Kardec)
"O envoltório semimaterial do Espírito constitui uma espécie de corpo, de forma definida, limitada e análoga à do corpo físico. Mas esse corpo não tem os nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas impressões.
(...) Enquanto arrastamos penosamente pela terra o nosso corpo pesado e material, como o condenado as suas cadeias, o dos Espíritos, vaporoso e etéreo, transporta-se sem fadiga de um lugar para outro; rasga o espaço com a velocidade do pensamento e tudo penetra, sem encontrar qualquer obstáculo material. "(Revista Espírita. Abril de 1859. Quadro da vida espírita. Allan Kardec)
Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte?
"Não podem ser materiais, di-lo o bom-senso, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e esses gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe embota as sensações." (O Livro dos Espíritos. Questão 965. Allan Kardec)
Em contrapartida, existem outros pesquisadores Espíritas, tais como, Paulo Neto, que contradizem estes espíritas rígidos, afirmando que há base doutrinária para considerar esta nova revelação, apesar do Codificador não ter utilizado a expressão "Umbral" em suas obras e ter descrito detalhes tão minuciosos sobre este local.
Para corroborar este segundo ponto de vista, vamos citar alguns trechos das obras espíritas ignoradas pelos Espíritas ortodoxos e realizar uma análise mais aprofundada sobre este assunto.
Vejamos uma questão de "O Livro dos Espíritos":
87. Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no Espaço?
"Os Espíritos estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Há os que estão sem cessar ao vosso lado, observando-vos e atuando sobre vós, sem que o saibais, já que os Espíritos são uma das forças da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve para a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados."
Muitos ignoram o último parágrafo da resposta dos Espíritos Superiores, de que "há regiões interditas aos menos adiantados", o que fatalmente, nos remete a ideia de que existem locais temporariamente fixos, onde existem Espíritos inferiores (menos adiantados) que são impedidos de ir para toda parte. Logo abaixo há outra questão, que confirma esta teoria:
279. Todos os Espíritos têm livre acesso a qualquer região?
"Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que possam exercer sua influência sobre os maus. Mas as regiões habitadas pelos bons, são interditadas aos Espíritos imperfeitos, a fim de não as perturbarem com suas paixões inferiores."
Segundo Paulo Neto, "A explicação de "não haver região determinada e circunscrita no espaço" nada tem a ver com a existência ou não das colônias espirituais ou mesmo do Umbral, porquanto a questão que o Codificador apresenta aos Espíritos superiores se refere ao conceito, ainda entranhado na crença popular e, infelizmente, em uma parcela de espíritas, de que "o céu" e "o inferno" seriam locais circunscritos, ou seja, teriam um espaço físico delimitado para "gozo" e "penas" após a morte." (Umbral, há base doutrinária para sustentá-lo? Paulo da Silva Neto Sobrinho)
Em "O Livro dos Espíritos" podemos observar outras informações sobre a vida após a morte dos Espíritos inferiores, no qual mostram que eles podem viver um período isolados, afastados dos entes queridos, ter lembranças dolorosas e sensações gerais de sofrimentos físicos e morais, inclusive fadiga, apesar de não possuirem mais órgãos, ou seja, sofrem expiações no mundo espiritual, conforme o Espírito André Luiz descreve em suas obras. Vejamos as questões abaixo:
289. Nossos parentes e amigos costumam vir-nos ao encontro quando deixamos a Terra?
"Sim, os Espíritos vão ao encontro da alma a quem são afeiçoados. Felicitam-na, como se regressasse de uma viagem, por haver escapado aos perigos da estrada, e ajudam-na a desprender-se dos liames corporais. É uma graça concedida aos bons Espíritos o lhes virem ao encontro os que os amam, ao passo que aquele que se acha maculado permanece em insulamento, ou só tem a rodeá-lo os que lhe são semelhantes. É uma punição."
257. Comentário: " Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, pois que ele se queixa de frio e calor.
(...) Sabemos que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão;
(...)Dizendo que os Espíritos são inacessíveis às impressões da matéria que conhecemos, referimo-nos aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não encontra analogia neste mundo. Outro tanto não acontece com os de perispírito mais denso, os quais percebem os nossos sons e odores, não, porém, apenas por uma parte limitada de suas individualidades, conforme lhes sucedia quando vivos.
Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que modifica a percepção.
(...)A alma, ou o Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Estas, na vida corpórea, se obliteram pela grosseria dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea se vão desanuviando, à proporção que o invólucro semimaterial se eteriza.
(...) Conforme a categoria que ocupem, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, porém não dos que lhes são superiores. Nos primeiros instantes que se seguem à morte, a visão do Espírito é sempre turbada e confusa.
(...)Os sofrimentos por que passa são sempre a conseqüência da maneira por que viveu na Terra. Certo já não sofrerá mais de gota, nem de reumatismo; no entanto, experimentará outros sofrimentos que nada ficam a dever àqueles. Vimos que seu sofrer resulta dos laços que ainda o prendem à matéria; que quanto mais livre estiver da influência desta, ou, por outra, quanto mais desmaterializado se achar, menos dolorosas sensações experimentará."
254. "A espécie de fadiga que os Espíritos são suscetíveis de sentir guarda relação com a inferioridade deles. Quanto mais elevados sejam, tanto menos precisarão de repousar."
998. A expiação se realiza no estado corpóreo ou no estado espiritual?
"A expiação se cumpre durante a existência corpórea, por meio de provas a que o Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais inerentes ao estado de inferioridade do Espírito."
973. Comentário: "Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas. (...) Infinita é a variedade dessas conseqüências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc."
Na Revista Espírita, Dezembro 1858, há outros esclarecimentos:
"A dor que sentem não é, pois, uma dor física, propriamente dita. É um vago sentimento íntimo, de que o próprio Espírito nem sempre se dá conta com precisão, porque a dor não é localizada e não é produzida por agentes externos. É mais uma lembrança do que uma realidade, posto seja uma lembrança realmente penosa. Há, entretanto, algo mais que uma lembrança...
Ensina-nos a experiência que no momento da morte o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo. Durante os primeiros instantes o Espírito não se dá conta da situação; não se julga morto; sente-se vivo; (...) Esse estado dura enquanto existe uma ligação entre o corpo e o perispírito. "(Revista Espírita. Dezembro 1858. Sensações dos Espíritos. Allan Kardec)
Com relação a aparência dos Espíritos, em "O Livro dos Médiuns", Segunda Parte. Cap. 6. Item 100, obtemos esta informação:
Os Espíritos (...) "aparecem da maneira por que precisam impressionar a pessoa a quem se mostram. Assim é que uns aparecerão em trajes comuns, outros envoltos em amplas roupagens, alguns com asas, como atributo da categoria espiritual a que pertencem."
(...) Poderiam os Espíritos apresentar-se sob a forma de animais?
"Isso pode dar-se; mas somente Espíritos muito inferiores tomam essas aparências. Em caso algum, porém, será mais do que uma aparência momentânea."
Em "A Gênese", Cap. 14 , item 14, temos a seguinte explicação:
"É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores - enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. - que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e a que se transporte o seu pensamento.
Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluídicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste." (A Gênese. Cap. 14. Item 14. Allan Kardec)
Sendo assim, é possível os Espíritos inferiores moldarem o formato do seu perispírito, através do pensamento, numa forma diabólica para assustarem as suas vítimas e também podem criar formas fluídicas de outros elementos vistos pelos Espírito André Luiz.
Podemos, portanto, confirmar esta teoria de que existem zonas inferiores, através dos relatos de alguns Espíritos imperfeitos evocados, que estão descritos, principalmente, no livro "O Céu e o inferno" de Allan Kardec. Vejamos alguns exemplos:
O Espírito de uma jovem suicida, que se suicidou com o seu amante, relata que o local onde vivia era escuro, sentia frio e calor , ouvia risos infernais, ou seja, descreve uma cena semelhante , conforme ditado pelo Espírito André Luiz:
"Vedes o vosso amante, com o qual vos suicidastes?
- R. Nada vejo, nem mesmo os Espíritos que comigo erram neste mundo. Que noite! Que noite! E que véu espesso me circunda a fronte!
Que sensação experimentastes ao despertar no outro mundo?
- R. Singular! Tinha frio e escaldava. Tinha gelo nas veias e fogo na fronte! Coisa estranha, conjunto inaudito! Fogo e gelo pareciam consumir-me! E eu julgava que ia sucumbir uma segunda vez!
(...) Acreditais na perenidade dessa situação?
- R. Oh! sempre! sempre! Ouço às vezes risos infernais, vozes horrendas que bradam: sempre assim!" (O Céu e o inferno. Primeira parte. Cap. 5. Duplo suicídio, por amor e por dever. Allan Kardec)
Em outra comunicação, Félicien, um outro espírito suicida, também disse que escutava gritos e sorrisos e estava sendo obsediado, assim como ocorreu com o Espírito André Luiz, enquanto estava no umbral:
"Agora, só tenho necessidade de preces; orai, principalmente, para que me veja livre desses hórridos companheiros que aqui estão junto de mim, obsidiando-me com gritos, sorrisos e infernais motejos. Eles chamam-me covarde, e com razão, porque é covardia renunciar à vida. "(O Céu e o inferno. Primeira parte. Cap. 5. Félicien. Allan Kardec)
No diálogo com o Espírito que assombrava a Torre Saint-Michal de Bordeaux, publicado na Revista Espírita 1862, mês de novembro, destacamos a seguinte pergunta e resposta:
"14. Quando pudestes deixar vosso corpo, onde vos encontrastes? - R. Vi-me cercado de uma multidão de Espíritos como eu cheios de dor, não ousando elevar para Deus seu coração preso à Terra, e desesperançado de receber seu perdão."
OBSERVAÇÃO (de Allan Kardec): "Ligado ao próprio corpo e sofrendo ainda as torturas dos últimos instantes, pois se achava entre Espíritos sofredores, sem esperança de perdão , não é o inferno com o choro e ranger de dentes? Será necessário construir um forno com chamas e tridentes? Como é sabido, a crença na perpetuidade dos sofrimentos é um dos castigos infligidos aos Espíritos culpados. Tal estado dura enquanto os Espíritos não se arrependem, e duraria para sempre se nunca se arrependessem, pois Deus só perdoa o pecador arrependido. Desde que o arrependimento lhe entre no coração, um raio de esperança deixar-lhe-á entrever a possibilidade de um termo aos seus males. Mas não basta o simples arrependimento. Deus quer a expiação e a reparação, e é pelas reencarnações sucessivas que Deus dá aos Espíritos imperfeitos a possibilidade de melhora. Na erraticidade eles tomam resoluções que tentam executar na vida corpórea." (Revista Espírita. Novembro de 1862. Os mistérios da torre de São Miguel, em Bordeaux. Allan Kardec)
Na "Revista Espírita" de Junho de 1868, transcrevemos a evocação do Espírito do Sr. Bizet, que era um homem de bem, um verdadeiro cristão, um sacerdote segundo o Evangelho, no qual relata que os Espíritos brigam entre si e sentem sensações de fome, assim com sentiu André Luiz. Vejamos o que ele disse:
Sociedade de Paris, 14 de maio de 1868: "Estou contente, senhor, pelo benevolente apelo que tiveste a bondade de me dirigir, e ao qual considero uma honra e um prazer responder. Se não vim imediatamente ao vosso meio, é que a perturbação da separação e o espetáculo novo que me chocou não mo permitiram. E depois, eu não sabia a quem escutar; encontrei muitos amigos cujo acolhimento simpático me ajudou poderosamente a me reconhecer; mas também tive sob os olhos o atroz espetáculo da fome entre os Espíritos. Encontrei lá em cima muitos desses infelizes que morreram nas torturas da fome, ainda procurando em vão satisfazer uma necessidade imaginária, lutando uns contra os outros para arrancar um pouco de comida que se esconde nas suas mãos, dilacerando-se uns aos outros e, se assim posso dizer, se entredevorando; uma cena horrível, pavorosa, ultrapassando tudo quanto a imaginação humana pode conceber de mais desolador!... Inúmeros desses infelizes me reconheceram, e seu primeiro grito foi: Pão! Era em vão que eu tentava lhes fazer compreender sua situação; eles estavam surdos às minhas consolações. ─ Que coisa terrível é a morte em semelhantes condições, e como aquele espetáculo é mesmo de natureza a fazer refletir sobre o nada de certos pensamentos humanos!... Assim, enquanto na Terra pensamos que os que partiram ao menos estão livres da tortura cruel que sofriam, percebemos no outro lado que não é nada disto, e que o quadro não é menos sombrio, embora os atores tenham mudado de aparência."
OBSERVAÇÃO (de Allan Kardec): "A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do mundo invisível, parecerá estranho que Espíritos que, segundo eles, são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós, que têm um corpo fluídico, é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que deixando o seu envoltório carnal, certos Espíritos continuam a vida terrena com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas assim é, e a observação nos ensina que essa é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e eles têm todas as angústias de uma necessidade impossível de saciar. O suplício mitológico de Tântalo, entre os Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato do que entre os modernos.
Muito diferente é a posição daqueles que desde esta vida se desmaterializaram pela elevação de seus pensamentos e sua identificação com a vida futura. Todas as dores da vida corporal cessam com o último suspiro, e logo o Espírito plana, radioso, no mundo etéreo, feliz como um prisioneiro livre de suas cadeias.
Quem nos disse isto? É um sistema, uma teoria? Alguém disse que deveria ser assim, e nós acreditamos sob palavra? Não; são os próprios habitantes do mundo invisível que o repetem em todos os pontos do globo, para ensinamento dos encarnados.
Sim, legiões de Espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Aqueles que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se destacarem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não. É uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos Espíritos e necessária ao seu adiantamento; é uma prolongação mista da vida terrestre durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. Teriam competência para taxar de barbárie essa legislação, aqueles que preconizam o dogma das penas eternas irremissíveis e as chamas do inferno como um efeito da soberana justiça? Podem eles pô-la em paralelo com uma situação temporária, sempre subordinada à vontade do indivíduo de progredir; à possibilidade de avançar por novas encarnações? Ademais, não depende de cada um libertar-se dessa vida intermediária que não é verdadeiramente nem a vida material nem a espiritual? Os espíritas dela se libertam naturalmente, porque, compreendendo o estado do mundo espiritual antes de nele entrar, imediatamente se dão conta de sua situação.
As evocações nos mostram uma porção de Espírito que ainda se julgam deste mundo: suicidas, supliciados que não suspeitam que estão mortos e sofrem o seu gênero de morte; outros que assistem ao próprio enterro, como ao de um estranho; avarentos que guardam os seus tesouros, soberanos que julgam ainda mandar e ficam furiosos por não serem obedecidos; depois de grandes naufrágios, náufragos que lutam contra o furor das ondas; depois de uma batalha, soldados que continuam lutando e, ao lado disto, Espíritos radiosos, que nada mais têm de terrestre e são para os encarnados o que a borboleta é para a lagarta.
(...) O quadro apresentado pelo padre Bizet nada tem, pois, de estranho... " (Revista Espírita. Junho de 1868. A morte do Sr. Bizet, cura de Sétif. Allan Kardec)
Segundo os Espíritos Superiores, os Espíritos "respondem de acordo com a vossa linguagem. (...) É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se está no inferno. Se for desgraçado, dirá - sim, porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém, muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no Tártaro." (O Livro dos Espíritos. Questão 1017. Allan Kardec).
Portanto, constata-se que o cenário também apresentado pelo Espírito André Luiz não tem nada de estranho. Há base doutrinária para acreditar na existência do umbral e das trevas, zonas inferiores temporárias onde espíritos imperfeitos se agrupam por afinidade e sofrem por aquilo que pecaram. Os seres diabólicos, descritos pelo Espírito André Luiz, são, na realidade, espíritos obsessores, que modificaram o formato do seu perispírito. A sensações de fome e sede podem ser lembranças ou sensações reais, pois depois da morte, os sentidos orgânicos são destruídos mas, restando o perispírito, o Espírito continua a perceber pelo sentido espiritual, sensações gerais e confusas, conforme a grosseria do seu corpo espiritual. As imagens de lama visualizadas pelo Espírito André Luiz podem ser criadas pelo seu próprio pensamento ou por criações mentais coletivas dos outros Espíritos.
A médium Yvonne A. Pereira faz esclarecimentos sobre estas regiões inferiores, apesar de não utilizar uma nomenclatura específica, dizendo:
"Nem sempre será dado ao médium, durante o desdobramento da sua individualidade espiritual, visitar as formosas estâncias fluídicas onde a paz e a beleza, a fraternidade e a luz, o consolo e a alegria revigoram o seu espírito para o prosseguimento da marcha terrena. Os deveres da mediunidade também o requisitam para os locais inferiores, antros de miséria e degradação localizados, às vezes, nos próprios perímetros terrenos, como nas suas regiões atmosféricas, onde se aglomeram entidades ainda inferiorizadas pelo erro e a materialidade, e aos quais, por isso mesmo, chamaremos regiões inferiores. Nesses locais, de que os bairros miseráveis de uma grande cidade darão ideia aproximada, exercerão os médiuns, acompanhados sempre de seus Guias e Instrutores espirituais, tarefas melindrosas nos setores da legitima fraternidade, podendo-se, mesmo, asseverar que nesse delicado exercício espiritual é que se acentua a significação da sua qualidade de médium, ou intermediário.
Esses agrupamentos de entidades desajustadas, aos quais se têm denominado regiões Inferiores, por não se conhecer outro vocábulo que melhor os defina e retrate, tanto poderão existir no Espaço, dentro da densidade atmosférica, como na própria Terra, pois estarão sempre onde se encontrarem as entidades que os compõem, o que quer dizer que sua configuração poderá ser móvel. Suponhamos uma das favelas de má fama, aqui no Rio de Janeiro, cujos habitantes se mudassem, ora para Copacabana, ora para a Cinelândia, ora para Jacarepaguá ou para o Pão de Açúcar. Todos esses locais nada mais passariam a ser senão a região trevosa criada pelos hábitos inveterados dos favelados, por sua educação ínfima ou deficiente e suas vibrações e atos viciados, pois é sabido que cada um de nós carrega consigo próprio o seu inferno ou o seu paraíso. De forma idêntica serão as regiões inferiores do Mundo Invisível: criações mentais coletivas de entidades afins, que praticarão, além da morte, os mesmos hábitos e os mesmos atos a que se arraigaram no estado humano. E todos esses locais, assim construídos, ainda que se estabeleçam nos âmbitos da Terra, pertencerão sempre ao Invisível, mas não propriamente à Espiritualidade, pois esta implica a emancipação do Espírito das atrações da matéria, o domínio mental elevado ou superior, a ascensão a planos transcendentes do Infinito. " (Devassando o invisível. Cap. 14. Yvonne A. Pereira)
Em "A Gênese", Cap. 16, item 3, Allan Kardec diz também que os Espíritos inferiores dificilmente podem afastar-se do globo:
"(...)Nos Espíritos inferiores, a visão é circunscrita, não só porque eles dificilmente podem afastar-se do globo a que se acham presos, como também porque a grosseria de seus perispíritos lhes vela as coisas distantes, do mesmo modo que um nevoeiro as ocultam aos olhos do corpo."
Na Revista Espírita 1865, mês de março, há uma informação complementar:
" Embora estejam os Espíritos por toda parte, os mundos são os lugares onde de preferência se reúnem, em razão da analogia que existe entre eles e aqueles que os habitam. Em torno dos mundos adiantados abundam os Espíritos superiores; em torno dos atrasados pululam os Espíritos inferiores. A Terra é ainda um destes últimos. Cada globo, pois, de certo modo, tem sua população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, que se realimenta, em sua maioria, pela encarnação e desencarnação dos mesmos Espíritos. Essa população é mais estável nos mundos inferiores, onde os Espíritos são mais ligados à matéria, e mais flutuante nos mundos superiores." (Revista Espírita. Março de 1865. Onde é o céu? Allan Kardec)
Sendo assim, pode-se afirmar que existe castigo aos maus Espíritos, conforme Jesus ensinou: "Mas os súditos do Reino serão lançados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes". (Mateus 8:12), porém este local não é fechado e circunscrito, e também não é eterno. Existem diversos tipos de zonas inferiores, no globo terrestre ou na sua atmosfera, onde os Espíritos criminosos se reúnem, algumas chamadas de trevas, outras de umbral, porém os Espíritos podem sair destes locais, isto só depende deles. Segundo Allan Kardec, " A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado." (O Céu e o Inferno. Primeira parte. Cap. 7. Código penal da vida futura. Item 13. Allan Kardec).
O Espírito André Luiz permaneceu no umbral por oito anos consecutivos, porém depois foi resgatado e levado para Colônia Espiritual "Nosso Lar", pois Deus não desampara nenhum dos seus filhos, quando este lhe pede auxílio e se arrepende.
Aliás, em "O Céu e o Inferno", Allan Kardec deixou bem claro que:
"O Espiritismo não vem, pois, negar as penas futuras; vem ao contrário, confirmá-las. O que ele destrói é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis." (O Céu e o Inferno. Primeira parte. Cap. 5. Item 8. Allan Kardec)
"Dependendo o sofrimento da imperfeição, como o gozo da perfeição, a alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito. O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, e o céu igualmente onde houver almas felizes." (O Céu e o Inferno. Primeira Parte. Cap. 7. Allan Kardec)
O Espírito de Claire diz uma verdade: "Em nós e conosco trazemos o Céu e o inferno; as nossas faltas, gravadas na consciência, são lidas correntemente no dia da ressurreição. E uma vez que o estado da alma nos abate ou eleva, somos nós os juízes de nós mesmos. "(O céu e o inferno. Segunda parte. Cap. 4. Allan Kardec)
Diante do exposto, conclui-se que não há nenhuma contradição entre os Ensinamentos dos Espíritos Superiores, publicados por Allan Kardec, e as obras complementares publicadas pelos médiuns Chico Xavier e Yvonne A. Pereira. O que existe, na realidade, são interpretações equivocadas de alguns Espíritas radicais que não fizeram uma comparação sistematizada das revelações espíritas conforme recomenda o Codificador para alcançar a VERDADE.
As obras de Allan Kardec são base da Doutrina Espírita e ele fez a seguinte afirmação: "Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará. "(A Gênese. Cap. 1. Allan Kardec)
"O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação. (...) O Livro dos Espíritos foi escrito na origem do Espiritismo, em uma época em que se estava longe de ter feito todos os estudos práticos que foram feitos depois. As observações ulteriores vieram desenvolver e completar os princípios cujo germe ele havia lançado, e é mesmo digno de nota que até hoje elas apenas os confirmaram, sem jamais contradizê-los nos pontos fundamentais. " (Revista Espírita. Julho de 1866. Vista retrospectiva das existências do Espírito. Allan Kardec)