Durante a excursão espírita que fizemos este ano, tendo ido passar alguns dias na casa do Sr. de W..., membro da Sociedade Espírita de Paris, no cantão de Berna, na Suíça, este último nos falou de um camponês das cercanias, torneiro de profissão, que goza da faculdade de descobrir fontes e de ver num copo as respostas às perguntas que lhe fazem. Para a descoberta das fontes, algumas vezes ele se transporta aos lugares, servindo-se da varinha usada em semelhantes casos; outras vezes, sem se deslocar, serve-se de seu copo e dá as indicações necessárias. Eis um notável exemplo de sua lucidez:
Na propriedade do Sr. de W... havia um conduto de águas muito extenso; mas, em razão de certas causas locais, acharam melhor que a captação da água fosse mais próxima. A fim de poupar, na medida do possível, escavações inúteis, o Sr. de W... recorreu ao descobridor de fontes. Este, sem deixar o seu quarto, lhe disse, olhando o seu copo: “No percurso dos tubos existe uma outra fonte; está a tantos pés de profundidade, abaixo do décimo quarto tubo, a partir de tal ponto.” A coisa foi encontrada tal qual ele o havia indicado. A ocasião era muito favorável para ser aproveitada, no interesse de nossa instrução. Então fomos à casa desse homem, com o Sr. e a Sra. de W... e duas outras pessoas.
Algumas informações por ele dadas não deixam de ser úteis. Trata-se de um homem de sessenta e quatro anos, bem alto, magro, de boa saúde, embora aleijado e andando com dificuldade. É protestante, muito religioso e faz suas leituras habituais da Bíblia e de livros de preces. Sua enfermidade, conseqüente a uma doença, data da idade de trinta anos. Foi nessa época que a faculdade se lhe revelou. Diz que foi Deus que lhe quis dar uma compensação. Sua fisionomia é expressiva e alegre, o olhar vivo, inteligente e penetrante. Só fala o dialeto alemão da região e não entende uma palavra de francês. É casado e pai de família; vive do produto de alguns pedaços de terra e de seu trabalho pessoal, de modo que, sem estar folgado, não passa por necessidades.
Quando pessoas desconhecidas se apresentam em sua casa para o consultar, seu primeiro movimento é de desconfiança; perscruta de certo modo as suas intenções e, por pouco favorável que seja essa impressão, responde que só se ocupa de fontes e recusa qualquer experiência com o copo. Nega-se, sobretudo, a responder a perguntas que tenham por objetivo a cupidez, tais a busca de tesouros, as especulações arriscadas, ou a realização de algum propósito mau; numa palavra, a todas as que possam chocar a lealdade e a delicadeza. Diz que Deus lhe retiraria a faculdade, caso se ocupasse dessas coisas. Quando alguém lhe é apresentado por pessoas de conhecimento, ou desperte a sua simpatia, logo sua fisionomia se torna aberta e benevolente. Se o motivo pelo qual se o interroga for sério e útil, ele se interessa e condescende nas buscas; mas se as perguntas forem fúteis e de mera curiosidade, ou se a ele se dirigem como a um ledor de buena-dicha, não responde.
Comentário:
Esse homem revela a mais completa ignorância no que concerne ao Espiritismo; não tem a menor idéia dos médiuns, nem das evocações, das intervenções dos Espíritos ou da ação fluídica. Para ele, sua faculdade está nos nervos, numa força que não sabe explicar, nem jamais buscou compreender, porque, quando lhe pedimos que dissesse de que maneira via em seu copo, pareceu-nos que era a primeira vez que sua atenção era despertada para tal ponto. Isto, para nós, era coisa essencial; não foi senão depois de algumas perguntas sucessivas que chegamos a compreender ou, melhor, a destrinçar o seu pensamento. Seu copo é um copo comum para água, vazio, mas é sempre o mesmo; só tem essa serventia e não deveria utilizar outro.
Na previsão de um acidente, foi-lhe indicado onde podia encontrar outro copo para substituí-lo. Havendo conseguido um, guarda-o de reserva. Quando o interroga, segura-o na palma da mão e olha no seu interior; se o copo for colocado na mesa, nada vê. Quando fixa o olhar no fundo, parece que os olhos se velam por um instante, mas logo retomam seu brilho habitual; então, olhando alternativamente para o copo e para os interlocutores, fala como de costume, dizendo o que vê, respondendo às perguntas de maneira simples, natural e sem ênfase. Em suas experiências não faz invocação, não emprega sinais cabalísticos nem pronuncia fórmulas ou palavras sacramentais. Quando lhe fazem uma pergunta, ele concentra a atenção e a vontade no assunto proposto, olhando no fundo do copo, onde se formam instantaneamente as imagens das pessoas e das coisas relativas ao tema de que se ocupa.
Quanto às pessoas, descreve-as do ponto de vista físico e moral, como o faria um sonâmbulo lúcido, de maneira a não deixar nenhuma dúvida quanto à sua identidade. Também descreve, com maior ou menor precisão, lugares que não conhece, destruindo, assim, a idéia de que aquilo que vê seja produto da sua imaginação. Quando disse ao Sr. de W... que a fonte estava a tantos pés abaixo do décimo quarto tubo, por certo não podia tomá-lo do seu próprio cérebro. Para se tornar mais inteligível, ele se serve, em caso de necessidade, de um pedaço de giz, com o qual traça, na mesa, pontos, círculos, linhas de vários tamanhos, indicando as pessoas e os lugares de que fala, sua posição relativa, etc., de modo a não ter senão que as mostrar quando volta a elas, dizendo: É este que faz tal coisa, ou é em tal ponto que tal coisa se passa.
(...)Um exame atento dos fatos acima demonstra completa analogia entre esta faculdade e o fenômeno designado sob o nome de segunda vista, dupla vista ou sonambulismo desperto, e que é descrito em O Livro dos Espíritos, cap. VIII: Emancipação da alma, e em O Livro dos Médiuns, cap. XIV. Ela tem, pois, o seu princípio na propriedade irradiante do fluido perispiritual que, em certos casos, permite à alma perceber coisas a distância, ou seja, a emancipação da alma, que é uma lei da Natureza. Não são os olhos que vêem; é a alma que, por seus raios, atingindo um ponto dado, exerce sua ação exteriormente e sem o concurso dos órgãos corporais. Esta faculdade é muito mais comum do que se pensa e se apresenta com graus de intensidade e de aspectos muito diversos, conforme os indivíduos: nuns ela se manifesta pela percepção permanente ou acidental, mais ou menos clara, das coisas afastadas; noutros, pela simples intuição dessas mesmas coisas; em outros, enfim, pela transmissão do pensamento. É de notar que muitos a possuem sem o suspeitar e, sobretudo, sem se darem conta; ela é inerente ao seu ser, e lhes parece tão natural como a faculdade de ver pelos olhos; muitas vezes, mesmo, confundem as duas percepções. Se se lhes perguntar como vêem, na maioria das vezes não sabem explicar melhor do que explicariam o mecanismo da visão ordinária.
O número de pessoas que gozam espontaneamente dessa faculdade é muito considerável, de modo que ela independe de um aparelho qualquer. O copo de que esse homem se serve é um acessório que só lhe é útil por hábito, pois constatamos que em várias circunstâncias ele descrevia as coisas sem o olhar. Pelo que nos concerne, notadamente falando de indivíduos, ele os indicava com o giz, por sinais característicos de suas qualidades e de sua posição. Era, sobretudo, sobre esses sinais que ele falava, olhando a mesa, sobre a qual parecia ver tão bem quanto no copo, que apenas olhava; mas, para ele, o copo é necessário, e eis como o podemos explicar:
A imagem que ele observa forma-se nos raios do fluido perispiritual, que lhe transmitem a sua sensação; concentrando-se sua atenção no fundo do copo, para aí dirige os raios fluídicos e, muito naturalmente, a imagem aí se concentra, como se se concentrasse sobre um objeto qualquer: num copo de água, numa garrafa, numa folha de papel, num mapa ou num ponto vago do espaço. É um meio de fixar o pensamento e o circunscrever, e estamos convencidos de que quem quer que exerça tal faculdade com o auxílio de um objeto material verá igualmente bem com um pouco de exercício e com a firme vontade de o dispensar.
( Revista Espírita. Outubro de 1864. O sexto sentido e a visão espiritual. Allan Kardec).