Difundidas as primeiras claridades da Boa-Nova, todos os enfermos e derrotados da sorte, habitantes de Corazin, Magdala, Betsaida Dalmanuta e outras aldeias importantes do lago enchiam as ruas de Cafarnaum em turbas ansiosas.
Os companheiros do Mestre eram os mais visados pela multidão, por motivo do permanente contato, em que viviam com o seu amor. De vez em quando, Felipe era assaltado, em caminho, por uma onda de doentes; Pedro tinha a casa rodeada de criaturas desalentadas e tristes. Todos queriam o auxilio de Jesus, o benefício imediato de sua poderosa virtude.
Aos primeiros dias do apostolado, um pequeno grupo de infelizes procurou Levi na sua confortável residência. Desejavam explicações sobre o Evangelho do Reino, de modo a trabalharem com mais acerto na observância dos ensinamentos do Cristo. O coletor da cidade manifestou certa estranheza.
– Afinal – disse ele aos infortunados que o procuravam – o novo reino congregará todos os corações sinceros e de boa vontade, que desejem irmanar-se como filhos de Deus.
Mas, que podeis fazer na situação em que vos encontrais?
E, dirigindo-se a três deles, seus conhecidos pessoais, falou convicto :
– Que poderás realizar, Lisandro, aleijado como és?! E tu, Áquila, não foste abandonado pela própria família, sob o peso de sérias acusações? E tu Pafos? Acaso edificarias alguma coisa com as tuas atuais aflições?
Os interpelados entreolharam-se cabisbaixos, humilhados. Somente então chegavam a reconhecer as suas penosas deficiências. A palavra rude de Levi os despertara. Tornara-os uma dor sem limites. Jesus dissera, nas suas pregações carinhosas, que seu amor viera buscar todos os que se encontrassem em tristeza e em angústias do coração. Quando o Mestre chegara, haviam experimentado a restauração de todas as energias. Jubilosos, guardavam as suas promessas, relativamente ao Pai justo e bom, que amava aos filhos mais infelizes, renovando nos corações as esperanças mais puras. Achavam-se exaustos ; mas, a lição de Jesus lhes trouxera novo consolo às almas desamparadas de qualquer conforto material.
Queriam ser de Deus, vibrar com a exaltação das promessas do Cristo, porém, a palavra de Levi novamente os arrojara à condição desditosa.
O grupo de pobres e infortunados retirou-se desalento no entanto, o Mestre pregaria no monte, àquela tarde, e, quem sabe, ministraria os ensinamentos de que necessitavam?!...
Decorridos alguns instantes, Jesus, em companhia de André deu entrada em casa de Levi, onde se puseram os três em animada palestra. O coletor, a certa altura da conversação, a sorrir ingenuamente, relatou a ocorrência, terminando alegremente a sua exposição, com estas palavras:
– Que conseguiria o Evangelho do Reino, com esses aleijados e mendigos? – Mas, lembrando-se de súbito que os demais companheiros eram criaturas pobres e humildes, acrescentou: - É justo esperemos alguma coisa dos pescadores de Cafarnaum são homens fortes e desassombrados e o bom trabalho lhes cabe. Não vejo, porém, como aceitar a contrição desses desafortunados e vencidos que nos procuram.
Jesus fixou o olhar no discípulo com profundo desvelo e falou com bondade batendo -lhe levemente no ombro.
– No entanto, Levi, precisamos amar e aceitar a preciosa colaboração dos vencidos do mundo!... Se o Evangelho é a Boa-Nova, como não há de ser a mensagem divina para eles tristes e deserdados na imensa família humana? Os vencedores da Terra não necessitam de boas notícias. Nas derrotas da sorte, as criaturas ouvem mais alto a voz de Deus. Buscando os oprimidos, os aflitos e os caluniados sentimo-los tão unidos ao céu, nas suas esperanças, que reconhecemos, na coragem tranqüila que revelam, um sublime reflexo da presença de Nosso Pai em seus espíritos. Já observaste algum vencedor do mundo com mais alta preocupação do que a de defender o fruto de sua vitória material? Levi se sentia-se comovido e, aproveitando a pequena pausa que se fizera, exclamou algo desapontado:
Senhor minhas observações partiram tão só do meu intenso desejo de apressar a supremacia do Evangelho entre os que governam no mundo!...
– Quem governa o mundo é Deus – afirmou o Mestre convictamente – e o amor não age com inquietação. Agora, imaginemos Levi, que os triunfadores da Terra viessem até nós,
ensarilhando suas armas exteriores. Figuremos alguns generais romanos chegando a Cafarnaum com os seus troféus numerosos e sangrentos, afirmando-se desejosos de aceitar o Evangelho do Reino de Deus e oferecendo-se para cooperar em nosso esforço. Certamente trariam consigo legiões de guardas e soldados, funcionários e escribas, carros de triunfo, espadas e prisioneiros... Começariam protestando contra as nossas pregações pelas estradas desataviadas da natureza. Por não estarem, no íntimo, desarmados das validades das vitórias, edificariam suntuosos templos de pedra, em cuja construção lutariam duramente por hegemonias inferiores; uns desejariam palácios soberbos, outros empreenderiam a construção de jardins maravilhosos. Recordando a ação das espadas mortíferas, talvez pretendessem disputar a ferro e fogo o estabelecimento do Reino de Deus, exterminando-se recìprocamente, por não cederem uns aos outros, de seus pontos de vista, desde que cada vencedor se julga, no mundo, com maior soma de direitos e de importância. A pretexto de lutar em nome do céu espalhariam possìvelmente incêndios e devastações em toda a Terra. E seria justo, Levi, trabalhássemos por cumprir a vontade do Nosso Pai, aniquilando seus filhos, nossos irmãos?
O apostolo o ouvia assombrado, em face da profundeza de sua argumentação. O Mestre continuou :
– Até que a esponja do Tempo absorva as imperfeições terrestres, através de séculos de experiência, necessária, os triunfadores do mundo são pobres seres que caminham por entre tenebrosos abismos. É imprescindível, pois, atestemos na alma branda e humilde dos vencidos. Para os seus corações Deus carreia bênçãos de infinita bondade. Esses quebraram, os elos mais fortes que os acorrentavam às ilusões e marcham para o Infinito do amor e da sabedoria. O leito de dor, a exclusão de tôdas as facilidades da vida, a incompreensão dos mais amados, as chagas e as cicatrizes do espírito são luzes que Deus acende na noite sombria das criaturas. Levi, é necessário amemos intensamente aos desafortunados do mundo. Suas almas são a terra fecundada pelo adubo das lágrimas e das esperanças mais ardentes onde as sementes do Evangelho desabrocharão para a luz da vida. Eles saíram das convenções nefastas e dos enganos do caminho terrestre e bendizem do Nosso Pai, como sentenciados que experimentassem no primeiro dia de liberdade, o clarão reconfortante do sol amigo e radioso perdido! É também sobre os vencido da sorte sobre os que suspiram por um ideal mais santo e mais puro do que as vitórias fáceis da Terra, que o Evangelho assentará suas bases divinas!...
André e Levi escutavam de olhos úmidos os conceitos do Senhor cheios de sublimada emoção. Nesse ínterim, chegaram Tiago, João e Pedro e todo o grupo se dirigiu, alegre, para um dos montes próximos. (Boa nova. Espírito Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier)
E lá, diante de uma multidão de pessoas, Jesus proferiu a bela poesia do Sermão do Monte.