Era uma vez um sapo, que morava dentro de um sapato. Era muito feliz. Tinha tudo que um sapo pode desejar. Aquele sapato velho era para ele um palácio. A sola despregada servia de janela, que se abria e fechava à vontade do dono. A abertura de cima servia de porta. Dentro do sapato, lá no fundo, havia um pequenino guarda-comida, onde o sapo guardava uma porção de coisas gostosas: minhocas, taturanas, miolinho de pão molhado e, principalmente, moscas, muitas moscas. Por isso, ele se chamava Papa-Môscas.
A casa de Papa-Môscas ficava à beira de um enorme lago azul, cercado de árvores. Ele tinha, portanto, bastante água, boa sombra e linda paisagem. Que faltava ao Papa-Môsca? Nada, dirão vocês. Pois estão enganados. O Papa-Môscas tinha de tudo, menos amigos. É lógico que todos os moradores da vizinhança o conheciam e o cumprimentavam de longe, e ele respondia cordialmente:
- Como vai a senhora D. Galinha? Tem passado bem, Senhor Pardal? Salve, peixinhos, como vão vocês?
Mas era só isso. E Papa-Môscas dizia:
- Minha casa é pequena, chega só para mim. Além disso, eu não preciso de ninguém. Tenho tudo, por isso não dou nada a ninguém. Não peço nada, não dou nada!
Assim vivia nosso Papa-Môscas. Chegou o verão e, naquele ano, o calor veio forte. O céu, muito azul, e um sol amarelo brilhava o dia inteiro, com toda força. Nem uma gota d’água caia do céu. As árvore verdinhas, que moravam há tanto tempo em volta do lago, começaram a ficar fraquinhas, e as folhas foram ficando amarelas, até morrer. Morreu a graminha, morreram as flores, a água secou e o lindo lago azul ficou transformado num monte de lama. Todos os animais da vizinhança começaram a ficar com medo. Não havia água para beber, nem graminha para comer, nem minhocas, nem moscas, nada! Que fazer? Como alimentar os filhotes? O único que não se preocupava era o Sapo Papa-Môscas.
Passava o dia cantando e tocando violinha, feliz da vida. Para que se preocupar? O seu guarda-comida estava mais cheio do que nunca, e debaixo do sapato havia um buraquinho cheio de água pura e boa para beber.
Os outros bichos sabiam que Papa-Môscas tinha água e comida. Por esse motivo, resolveram pedir-lhe ajuda. Primeiro, foi D. Galinha, com seus pintinhos:
- Senhor Papa-Môscas, meus filhotes e eu não temos mais bichinhos para comer nem água para beber. O senhor poderia nos emprestar um pouco de sua comida e da sua água. Quando voltarem as chuvas, nós lhe devolveremos tudo. Por favor, se o senhor não nos ajudar , meus filhinhos morrerão de fome e sede!
- Sinto muito, D. Galinha, mas é impossível. Imagine, dez pintinhos comem muito. Se eu for alimentá-los, ficarei sem comida para mim. Nem pense nisso.
Depois vieram os peixinhos:
- Papa-Môscas, veja como está o nosso lago; um monte de lama. Se continuarmos bebendo esse restinho de água suja ficaremos doentes. Por favor, deixe-nos beber daquela água que você tem guardada. Quando o lago voltar a ser limpo, nós lhe devolveremos.
- Impossível! Aquela água chega só para mim, e vocês bebem água a valer. Ficarei sem nada! Gostaria de ajudá-los, mas não posso.
Assim, foram chegando todos os bichos: as borboletas, os pardais, os sabiás, vieram todos. E a todos Papa-Môscas disse não. Ele não precisava de ninguem. Porque os outros não faziam como ele? Os bichinhos, temendo morrer de fome e sede , resolveram ir-se embora daquele lugar, até que voltasse o tempo de chuvas. Um a um, foram tomando seu caminho. Os peixinhos entraram no riacho, à procura do rio. D. Galinha seguiu estrada , com seus dez filhos. Os passarinhos e as borboletas voaram em outras direções. Todos abandonaram com tristeza seus ninhos e casas.
Todos estavam preocupados com a chuva, que não vinha. Papa-Môscas, porem, continuou a sua vidinha, muito tranqüilo. Cantava, tocava sua violinha, comia tudo, como sempre.
Um belo dia, porem, o céu, tão azulzinho, ficou preto de repente. Ficou cheio de nuvens pesadas. Trovões e relâmpagos, a cada instante, cortavam o céu, e o vento forte começou a fazer tudo voar.
O sapato de Papa-Môscas começou a balançar perigosamente, mas ele nem notava. Estava feliz da vida, porque ia chover:
- Viva! Viva a chuva! Água limpinha!
Uns pingos enormes começaram a cair, primeiro devagarinho, depois com força, e cada vez mais fortes, até se transformarem numa terrível tempestade. O aguaceiro que corria pelo chão começou a carregar o sapato de Papa-Môscas, até que o fez bater numa pedra e virar.
Papa-Môscas virou junto e caiu no chão, batendo com a cabeça na pedra. A chuva e o vento, os trovões e os relâmpagos, e a batida na testa, tudo isso junto deixou Papa-Môscas apavorado.
A testa lhe doía, e dela escorria um fiozinho de sangue.
- Socorro! Socorro! Estou ferido! Vou morrer, se não me ajudarem!
Mas, não havia ninguem por ali, todos haviam fugido. Papa-Môscas estava ferido e abandonado! E ele continuava gritando, aflito, quando vocês nem imaginam!
Nisso ouviu-se uma voz que dizia:
- Calma seu Papa-Môscas! Calma, eu estou aqui. Vou ajudá-lo.
Quem seria?
Papa-Môcas ficou com mais medo ainda! Vocês são capazes de adivinhar quem era?
Era D. Tartaruga! Ela morava escondidinha num buraco, protegida por umas pedras. Tinha tambem seu guarda-comida e sua água, por isso não fugira com a seca.
- Vou ajudá-lo, Papa-Môscas; não se assuste. Venha para minha casa.
E o Papa-Môscas foi para casa da D. Tartaruga.
Ela fez curativo no ferimento, que não passava de um esfolãozinho, deu-lhe comida, e arranjou uma boa caminha.
O sapo ficou na casa de D. Tartaruga durante muito tempo, até que voltasse a primavera. Depois de Ter agradecido muito a gentileza e o carinho de D. Tartaruga, tratou de arranjar uma outra casa (lembram-se que a enxurrada havia carregado o sapato?)
Papa-Môscas estava envergonhado. Ele, que negara até comida àqueles pobres pintinhos, tinha sido bem cuidado por D. Tartaruga. Quanta generosidade!
Quando os vizinhos voltaram para suas casas e seus ninhos, tiveram uma surpresa. Sabem o que era? Era o nosso Papa-Môscas, morando à beira do lago, dentro de uma enorme bota! E mais, o próprio sapo estava à porta , dizendo aos que voltaram:
- Salve, amigos! Sejam bem vindos! Venham para cá, vamos fazer uma linda festa!
Todos foram entrando na bota, e fizeram a festa mais bonita que já houve naquela redondeza.
E o Papa-Môscas deixou de ser egoísta...
(Autor desconhecido)