O grupo perfeito

        O Espírito de Júlio Marques comandava o pequeno agrupamento com critério e bondade. Condutor paciente do diminuto rebanho de companheiros espíritas-cristãos. Duas vezes por semana, incorporado na médium Dona Maria Paula, orientava os amigos na atividade evangélica. Ternura aliada à experiência, firmeza conjugada à abnegação. Conflitos e dificuldades morais ecoavam nele de modo particular, arrancando-lhe palavras iluminadas de benevolência e candura, a deslizarem nas alheias feridas por bálsamo de esperança.

        Numa das noites em que lhe compartilhávamos a responsabilidade, à feição de apagado trabalhador da retaguarda, notamos a presença de jovem senhora na assistência. Identificava-se por Dona Clara. Dama inteligente, distinta. Punha os pensamentos à mostra, na conversação espontânea. Insatisfeita. Inquiridora.

        Tão logo notou Marques encerrando o comentário edificante, pespegou-lhe interrogação à queima-roupa:

        — Irmão Júlio, posso pedir-lhe uma orientação?

        O interpelado respondeu, humilde:

        — Sou deficiente demais para isso; entretanto, estou nesta casa para servir...

        E o entendimento continuou:

        — Desejo formar um grupo espírita, de acordo com o meu ideal... Acha o senhor que posso pensar nisso?

        — Sem dúvida alguma. Todos somos chamados à obra do Senhor...

        — Mas eu quero, irmão Júlio, organizar um círculo de criaturas elevadas e sinceras, que apenas cogitem da virtude praticada, unicamente da virtude praticada!…

        — Grande propósito!

        — Uma instituição em que as pessoas se confraternizem, com rigoroso senso de pureza íntima… Nada de egoísmo, irritação, incompreensão, contenda...

        — Sim, minha filha...

        — Um grêmio, em que todos os associados vibrem pelo padrão do Evangelho… Pessoas simples e imaculadas, que não encontrem qualquer obstáculo para a harmonia de convivência… Verdadeiros apóstolos do bem... O irmão Júlio está ouvindo?

        — Sim, filha, continue...

        — Anseio por uma comunidade consagrada às realizações espíritas sem a mais leve perturbação. Os médiuns serão espelhos mentais cristalinos, retratando o verbo do Alto, como os lagos transparentes que refletem o Sol. Os diretores governarão as tarefas, na posição de almas primorosas, capazes de todos os sacrifícios pela causa da verdade, e os cooperadores, corretos e conscientes, integrarão equipe afinada, de maneira incondicional, com os princípios da nossa Doutrina de Luz…

        — Plano sublime!...

        — O ambiente lembrará uma fonte viva de paz e sabedoria em que os justos desencarnados se sentirão à vontade para ministrar aos homens os ensinamentos das Esferas Superiores, com a segurança de quem usa instrumentação irrepreensível...

        — Sim, sim...

        — Aspiro à criação de um conjunto que desconheça imperfeições e fraquezas, problemas e atritos…

        — Deus nos ouça...

        — Entre as paredes da organização que me proponho levantar, ninguém terá lugar para malquerença ou desânimo... Tudo será tranquilidade e alegria... Nenhuma brecha para discórdias.

        — Que o Senhor nos ampare...

        — Um templo a edificar-se na base de cooperadores que jamais descerão da nobreza própria, a ofertarem um espetáculo permanente de Céu na Terra, para a exaltação da caridade...

        — Sim, sim...

        Observando que o amigo espiritual não se desviava dos conceitos curtos, sem enunciar opiniões abertas, Dona Clara acentuou:

        — Posso contar com o senhor?

        — Ah! filha, não me vejo habilitado...

        — Ora essa! porquê?

        — Sou um espírito demasiadamente imperfeito... Ainda estou muito ligado à Terra.

        — Mas, recebemos tantos ensinamentos de sua boca!

        — Esses ensinamentos não me pertencem, chegam dos mentores que se compadecem de minha insuficiência… Brotam em minha frase como a flor que desponta de um vaso rachado. Não confunda a semente, que é divina, com a terra que, às vezes, não passa de lama ...

        — Então, o irmão Júlio ainda tem lutas por vencer?

        — Não queira saber, minha filha... Tenho a esposa, que prossegue viúva em dolorosa velhice, possuo um filho no manicômio, um genro obsidiado, dois netos em casa de correção... Minha nora, ontem, fez duas tentativas de suicídio, tamanhas as privações e provocações em que se encontra. Preciso atender aos que o Senhor me concedeu... Minhas dívidas do passado confundem-se com as deles. Por isso, há momentos em que me sinto fatigado, triste... Vejo-me diariamente necessitado de orar e trabalhar para restabelecer o próprio ânimo... Como verifica, embora desencarnado, sofro abatimentos e desencantos que nem sempre fazem de mim o companheiro desejável...

        — Oh! é assim?

    — Como não, filha? Todos estamos evoluindo, aprendendo...

        Dona Clara refletiu um momento e voltou à carga:

        — Mas, em algum lugar, haverá decerto uma associação impecável... Diga, irmão Júlio, o senhor sabe de alguma equipe sem defeito, como eu quero? e se sabe, onde é que ela está?

        O Espírito amigo, senhoreando integralmente a médium, pensou também por um instante e respondeu com a mais pura ingenuidade que já vi até agora:

        — Sim, minha filha, um grupo assim tão perfeito deve existir... Com toda a certeza deve ser o grupo de Nosso Senhor Jesus-Cristo.

(Contos desta e doutra vida. Espírito Irmão X. Psicografado por Chico Xavier)

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