O anjo servidor

        Quando o anjo servidor, em trabalho inadiável, alcançou o pátio repousante, onde se aglomeravam desencarnados diversos, olhou de relance para ver se descobria alguém que com ele cooperasse na tarefa que o deslocava do Céu.

        Necessitava de companheiro recém-vindo da Terra e, aproximando-se das almas recentemente desembarcadas no Além, procurou, lesto, entre elas, o colaborador nas condições exigidas.

        Explicou seus objetivos em poucas palavras e dirigiu-se a cavalheiro de semblante grave, perguntando:

        — Meu irmão, quais são os teus planos?

        — Estou aguardando a minha entrada no banquete divino — redarguiu o interpelado, sem cerimônia —, fui católico, apostólico, romano. Servi a diversas congregações. Jamais perdi a santa missa. Confessava-me regularmente. Recebi, centenas de vezes, a sagrada partícula, extasiado e feliz. Respeitei os sacerdotes e beijei, reverente, o anel dos meus pastores. Distribuía esmolas pela conferência a que me filiara. Honrei a memória dos santos com dilatadas penitências.

        Fixou o horizonte distanciado, persignou-se e rematou:

        — Louvado seja o Senhor que me salvou pelo mistério do Santíssimo Sacramento! Entrarei, contrito, na Corte Celeste! Aleluia! Aleluia!…

        O emissário de Mais Alto aprovou-o, com um gesto silencioso, e passou adiante.

        Pousando a atenção noutro recém-desencarnado, indagou:

        — Amigo, que esperas por tua vez?

        — Eu?! — suspirou — busco a herança de meu Deus. Vivi na religião reformada. Guardei a fé, acima de tudo. Nunca faltei aos meus cultos. Fiz a leitura diária da Bíblia, enquanto estive na Terra. Defendi os ideais evangélicos, ardorosamente. Fui combatente de Cristo, condenando-lhe os inimigos. Contava com a remuneração de meus serviços, no Juízo Final; no entanto, reconheço hoje que a minha glória pode ser apressada. Habitarei à direita de meu Senhor para sempre.

        O anjo fez sinal de aprovação e passou a um terceiro.

        — Que aguardas, irmão? — interrogou ele.

        Radiante, o novo interlocutor observou:

        — Fui espiritista. Preparo-me gostosamente para a jornada em demanda dos mundos felizes. Doutrinei os Espíritos das trevas. Pratiquei a caridade em todos os setores. Fui simples e paciente. Em tempo algum estive ausente das minhas sessões. Cultivei a pregação sistemática, dos princípios que abracei, em nome de Deus. Confiei-me invariavelmente aos Bons Espíritos. Agora, como é natural, entrarei na posse dos meus bens eternos.

         O missionário angélico aprovou-o igualmente e auscultou o seguinte:

        — Que projeto traçaste, amigo? — inquiriu atencioso.

        — Eu? eu? — gaguejou o companheiro a quem se dirigia — para exprimir-me com verdade, nem eu mesmo compreendo minha presença entre os justos e piedosos. Fui trazido a este recinto constrangidamente.

        E, em pranto mal contido, acrescentou, desapontado: — Fui ateu, por infelicidade minha. Não admitia a sobrevivência da alma. Não sei, francamente, se cheguei a praticar algum bem no mundo. Apenas busquei sempre a execução dos meus deveres de humanidade, atendendo às diretrizes da reta consciência. Procurei levantar os fracos e os abatidos e proporcionar ensejos de aprendizado e serviço a ignorantes e ociosos como se o fizesse a mim mesmo, sem nenhum propósito de ser recompensado na paisagem que me surpreende. Tantos sofredores, porém, encontrei no caminho terrestre e tanto trabalho vi no Planeta aguardando braços fortes e generosos que, sabendo hoje da existência de uma Justiça Misericordiosa e Infalível no Céu, muito me envergonho da descrença que adotei na Terra, embora procurasse lutar para ser um homem digno, e, se me fosse concedido formar algum projeto, devo assegurar que meu único desejo é regressar à Terra e cooperar mais ativamente na felicidade dos nossos semelhantes.

        Com surpresa, o anjo abraçou-o e convidou-o a segui-lo, esclarecendo:

        — Sim, vamos. Todos os que permanecem neste átrio de repouso merecem a bênção divina. O católico, o reformista, o espiritista e o incrédulo, suscetíveis de serem erguidos até aqui, foram homens de elevada expressão na melhoria do mundo. Todavia, para servir imediatamente ao meu lado, prefiro o irmão que não tenha o pensamento prisioneiro do salário celestial. Preciso de um cooperador liberado das complicações de pagamento. A conta prévia costuma dificultar o trabalho.

        E, sem mais delonga, desceu em companhia do ex-materialista a fim de atender a serviço urgente na Terra.

(Luz acima. Irmão X. Psicografado por Chico Xavier)

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