À frente do Senhor, nos a redores de Sídon, quatro dos discípulos, após viagem longa por diferentes caminhos, a serviço da Boa Nova, relatavam os sucessos do dia, observados pelo Divino Amigo, em silêncio:
— Eu — dizia Pedro sob impressão forte —; fui surpreendido por quadro constrangedor. Impiedoso capataz batia, cruel, sobre o dorso nu de três mães escravas, cujos filhinhos choravam, estarrecidos. Um pensamento imperioso de auxílio dominou-me. Quis correr, sem detença, e, em nome da Boa Nova, socorrer aquelas mulheres desamparadas. Certo, não entraria em luta corporal com o desalmado fiscal de serviço, mas poderia, com a súplica, ajudá-lo a raciocinar. Quantas vezes, um simples pedido que nasce do coração aplaca o furor da ira?
O apóstolo fixou um gesto significativo e acentuou:
— No entanto, tive receio de entrar na questão, que me pareceu intrincada... Que diria o perverso disciplinador? Minha intromissão poderia criar dificuldades até mesmo para nós...
Silenciando Pedro, falou Tiago, filho de Zebedeu:
— No trilho de vinda para cá, fui interpelado por jovem mulher com uma criança ao colo. Arrastava-se quase, deixando perceber profundo abatimento… Pediu-me socorro em voz pungente e, francamente, muito me condoí da infeliz, que se declarava infortunada viúva dum vinhateiro. Sem dúvida, era dolorosa a posição em que se colocara e, num movimento instintivo de solidariedade, ia oferecer-lhe o braço amigo e fraterno, para que se apoiasse; mas, recordei, de súbito, que não longe dali estava uma colônia de trabalho ativo...
O companheiro interrompeu-se, um tanto desapontado, e prosseguiu:
— E se alguém me visse em companhia de semelhante mulher? Poderiam dizer que ensino os princípios da Boa Nova e, ao mesmo tempo, sou motivo de escândalo. A opinião do mundo é descaridosa…
Outro aprendiz adiantou-se. Era Bartolomeu, que contou, espantadiço:
— Em minha jornada para cá, não me faltou desejo à sementeira do bem. Todavia, que querem? Apenas lobriguei conhecido ladrão. Vi-o a gemer sob duas figueiras farfalhudas, durante longos minutos, no transcurso dos quais me inclinei a prestar-lhe assistência rápida... Pareceu-me ferido no peito, em razão do sangue a porejar-lhe da túnica; mas tive receio de inesperada incursão das autoridades pelo sítio e fugi... Se me pilhassem, ao lado dele, que seria de mim?
Calando-se Bartolomeu, falou Filipe:
— Comigo, os acontecimentos foram diversos... Quase ao chegar a Sídon, fui cercado por uma assembleia de trinta pessoas, rogando conselhos sobre a senda de perfeição. Desejavam ser instruídas quanto às novas ideias do Reino de Deus e dirigiam-se a mim, ansiosamente. Contemplavam-me, simples e confiantes; todavia, ponderei as minhas próprias imperfeições e senti escrúpulos... Vendo-me roído de tantos pecados e escabrosos defeitos, julguei mais prudente evitar a crítica dos outros. A ironia é um chicote inconsciente. Por isso, emudeci e aqui estou.
Continuava Jesus silencioso, mas Simão Pedro caminhou para ele e indagou:
— Mestre, que dizes? Desejamos efetivamente praticar o bem, mas como agir dentro das normas de amor que nos traças, se nos achamos, em toda parte do mundo, rodeados de inimigos?
O Amigo Celeste, porém, considerou, breve:
— Pedro, todos os fracassos do dia constituem a resultante da ação de um só adversário que muitos acalentam. Esse adversário invisível é o medo. Tiveste medo da opinião dos outros, Tiago sentiu medo da reprovação alheia, Bartolomeu asilou o medo da perseguição e Filipe guardou o medo da crítica…
Aflito, o pescador de Cafarnaum interrogou: — Senhor, como nos livraremos de semelhante inimigo?
O Mestre sorriu compassivo e respondeu:
— Quando o tempo e a dor difundirem, entre os homens, a legítima compreensão da vida e o verdadeiro amor ao próximo, ninguém mais temerá.
Em seguida, talvez porque o silêncio pesasse em excesso, afastou-se, sozinho, na direção do mar.
(Pontos e contos. Irmão X. Psicografado por Chico Xavier)