No extremo limite da Terra com o Céu, aportou um peregrino envolto em nevado manto. Irradiava pureza e brandura. A fronte denunciava-lhe a nobreza, pelos raios diamantinos que emitia em todas as direções. Extenso halo de luz assinalava-lhe a presença.
Recebido pela entidade angélica, que presidia à importante passagem, apresentou sua aspiração máxima: ingressar definitivamente no paraíso, gozar-lhe o descanso beatífico.
O divino funcionário, embora admirado e reverente perante Espírito tão puro, esboçou o gesto de quem notava alguma falha menos visível ao olhar inexperiente e considerou:
— Meu irmão, rendo homenagem à alvura de tuas vestes, entretanto, vejamos se já adquiriste a virtude perfeita. Sorridente, feliz, o viajor vitorioso pôs-se à escuta.
— Conseguiste entesourar o amor sublime? — perguntou o anjo, respeitoso.
— Graças a Deus! — informou o interpelado.
— Edificaste a humildade?
— Sim.
— Guardaste a esperança fiel?
— Todos os dias.
— Seguiste o bem?
— Invariavelmente.
— Cultivaste a pureza?
— Com zelo extremado.
— Exemplificaste o trabalho construtivo?
— Diariamente.
— Sustentaste a fé?
— Confiei no Divino Poder, acima de tudo.
— Ensinaste a verdade e testemunhaste-a?
— Com todas as minhas forças.
— Conservaste a paciência?
— Sem perdê-la jamais.
— Combateste os vícios em ti mesmo, tais como a vaidade e o orgulho, o egoísmo e o ciúme, a teimosia e a discórdia?
— Esmeradamente.
— Guerreaste os males que assolam a vida, como sejam o ódio e a perversidade, a insensatez e a ignorância, a brutalidade e a estupidez?
— Sempre.
O anjo interrompeu-se, refletiu longos minutos, como se estivesse em face de grave enigma, e indagou:
— Meu amigo, já trabalhaste no inferno?
— Ah! isto não! — respondeu o peregrino, escandalizado. — Como haveria de ser?
O fiscal da celeste alfândega sorriu, a seu turno, e observou:
— Falta-te semelhante realização para subir mais alto.
— Oh! que contrassenso! — aventurou o interessado — como servir entre gênios satânicos, de olhos conturbados pela permanente malícia, de ouvidos atormentados pela gritaria, de mãos atadas pelos impedimentos do mal soberano, de pés cambaleantes sobre o terreno inseguro, com todas as potências da alma perturbadas pelas tentações?
— Sim, meu amigo — acentuou o preposto divino —, o bem é para salvar o mal, o amor foi criado para que amemos, a sabedoria se destina, em primeiro lugar, ao ignorante. A maior missão da virtude é eliminar o vício e amparar o viciado. Por isto mesmo, o Céu não perde o inferno de vista…
E, perante o assombro do ouvinte, rematou:
— Torna à Terra, desce ao inferno que o homem criou e serve ao Senhor Supremo, voltando depois… Então, cogitaremos da travessia. Lembra-te de que o Sol, situado cerca de cento e cinquenta milhões de quilômetros além do teu mundo, lança raios luminosos e salvadores ao mais profundo abismo planetário...
Em seguida, o controlador da Porta Celestial cerrou a passagem ligeiramente entreaberta e o peregrino, de capa lirial, espantadiço e desapontado, sentou-se um pouco, a fim de meditar sobre as conquistas que havia feito.
(Luz acima . Irmão X. Psicografado por Chico Xavier)