Mestre e aprendiz

        — Senhor, não seria justo apressar a vitória do Reino Divino entre as criaturas? O contato com a Boa-Nova aumenta-nos a sensibilidade e a visão espiritual...Agora, sinto no mundo verdadeiro vale de treva, cujos males precisamos sanar.  Tenho visto romanos enfurecidos contra mulheres e crianças, fariseus que exploram o minguado dinheiro das viúvas, sacerdotes que se tornam comerciantes indiretos no Templo e levitas desapiedados ocultando sentimentos perversos...  Por que não criar uma disciplina organizada para o nosso trabalho? E por que não invocar a proteção do Sinédrio para esse fim? Se a beleza da Boa-Nova estivesse garantida pela autoridade de Jerusalém...
        Era Judas de Kerioth, em casa de Simão, dirigindo-se ao Mestre, visivelmente preocupado.
        Jesus esboçou leve sorriso e ponderou:
        — Sim, Judas, a vitória do Reino do Céu seria, no menor espaço de tempo, a fórmula ideal para o nosso objetivo na Terra; entretanto, não nos cabe desprezar a lei do amor e a promessa da esperança…
        O discípulo sorriu, irônico, e observou:
        — Amor e esperança constituem efetivamente dois astros brilhantes no Alto, mas estamos no chão duro, com refeições a horas certas e imperiosas necessidades. Não seria razoável solucionar, desse modo, certos problemas de ordem regimentar nos assuntos do espírito?
        O Mestre, sem surpresa, pediu-lhe a apresentação de ideias mais amplas acerca de quanto pretendia, e Judas, desenrolando caprichoso pergaminho, acentuo, satisfeito:
        — Tenho um programa que poderíamos talvez acrescentar aos antigos mandamentos. Creio que transformá-lo em lei rígida para os crentes novos será benefício dos mais substanciais, a fim de corrigirmos imperfeições e defeitos do nosso movimento.
        Atendendo a silencioso sinal do Messias, o apóstolo passou à leitura da pequena documentação:
        — Os seguidores do Evangelho serão constrangidos à obediência absoluta diante da Lei Antiga e dos Profetas.  E serão obrigados, sob pena de condenação, a dispor dos próprios bens, em favor da comunidade, a prestar juramento de pobreza e simplicidade,  a viver na castidade perfeita, a servir sem descanso nas obras do bem,  a fugir de todas as superficialidades do mundo,  a praticar a verdade, em todas as circunstâncias da vida, a dividir o pão e o vestuário com o vizinho em penúria,  a perdoar sem exceção de faltas ou pessoas, a atender passivamente aos chefes espirituais e materiais das ideias novas,  a se separarem dos parentes, sem lamentações, para servirem à fé, no lugar que se lhes indicar,  e a crerem no que se lhes impuser, sem indagação de qualquer natureza.
        Depois de pequeno intervalo, o discípulo acrescentou:
        — Os faltosos e recalcitrantes serão punidos com advertências e chibatadas, cárcere e expulsão, multa e banimento, conforme o critério da autoridade administrativa. Para isso, estabeleceremos um corpo de fiscais e cobradores, a fim de que todas as atividades de inteligência se realizem com segurança.
        Porque o Mestre silenciasse, Judas, irrequieto, voltou à palavra, indagando:
        — Senhor, que me diz do projeto?
        — Excetuando alguns pontos que ferem a dignidade humana — respondeu Jesus, serenamente — o programa apresenta conteúdo valioso e orientador.
        De olhos inflamados na cobiça do mando, o discípulo perguntou:
        — Mestre, quando então executaremos as novas ordens? Não seria importante começar desde já?
        O Cristo, na expressão melancólica que muitas vezes lhe era característica, deixou que alguns momentos se escoassem vagarosos, sobre a inquirição do aprendiz, e falou afinal:
        — Judas, pretendes criar uma disciplina que constranja nossos afeiçoados e companheiros à obediência, à humildade, à castidade, à cooperação, à pobreza e à caridade obrigatórias, mas poderás afirmar, de acordo com a reta consciência, que semelhantes virtudes estejam resplandecendo em teu coração?
        Amarelo no desapontamento que lhe assomou ao espírito, o interpelado balbuciou:
        — É verdade, Senhor...ainda estou longe do padrão recomendável...
        Jesus afagou-o e ponderou:
        — Então, por que exigir dos outros o que não lhes podemos dar? Não será o mesmo que pedir frutos à terra que ainda não recebeu a sementeira?
        E, depois de curta pausa, acentuou:
        — As ovelhas doentes ou infelizes merecem mais cuidado por parte daquele que dirige o rebanho.
        Nesse instante, Judas se queixou de grande perturbação nos ouvidos e retirou-se, de repente, alegando estar na hora inadiável de se medicar.
(Esperança e vida. Espírito Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier/Carlos A. Bacelli)

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