Jacaré Coroa andava cansado de sua vida. Ficava horas boiando na superfície da Lagoa Grande, vendo os peixinhos vermelhos e brincalhões passarem a procura de alimentos e não tinha, como antes, vontade de assustá-los...Antigamente, como se divertia ao vê-los empalidecer de medo!
Jacaré Coroa, agora, de tal modo se irritava com o silêncio da lagoa, que chegava, ás vezes, a dar violentas rabadas na água tranqüila com sua cauda cascuda e verde...E, de novo, ficava quieto, boiando e ruminando idéias tristes.
O infeliz jacaré, estirado ao sol com a boca vermelha cheia de dentes agudos e amarelos, continuava nessa tarde com seus pensamentos negativos, quando viu aproximar-se da margem da lagoa um veadinho de três meses de idade. Jacaré Coroa escondeu-se por trás de uma grande folhagem e esperou....O veadinho, sem perceber o perigo, aproximou-se mais. Com um golpe rápido o Jacaré Coroa, que era muito mau, quase o abocanhou; mas, como estivesse sem apetite e até mesmo enjoado, deixou-o fugir aos pulos floresta a dentro.
“Em que estado me encontro!” – exclamou em voz alta. “Nem a carne macia de um veadinho me atrai!”
E começou a chorar, derramando grossas lágrimas.
Enrolada no galho baixo de uma perobeira, Dona Cascavel, maldosa, também, assistia o drama do jacaré. Ao vê-lo chorar, resolveu interrogá-lo, cheia de curiosidade.
- Afinal, o que se passa? Que manha é essa, senhor Jacaré Coroa? Tamanho bicho chorando como se fosse um filhote?
Jacaré Coroa, que julgava estar só, irritou-se com a observação, mas resolveu contar tudo...
Dona Cascavel, que não perdia oportunidade para fazer o mal, enrolou-se melhor no tronco da perobeira e disse, maliciosa:
- O senhor está sofrendo de um mal que não tem cura....Veja bem! Não gosta mais da Lagoa Grande, onde nasceu; não gosta de nenhum animal da Floresta Maravilhosa; não gosta nem de se divertir mais, e, pelo que vejo, até mesmo não quer se alimentar....O seu mal, senhor Jacaré, chama-se “tédio”, ou seja, uma tristeza horrível....Dia a dia, o senhor irá emagrecendo, até que a morte o levará para a cova.
Desista, meu amigo, de procurar remédio, pois não há para o seu caso....Irá morrer de tristeza!
E Dona Cascavel, irônica, acrescentou:
- É bom começar, desde já, a se despedir dos parentes....
E deu uma risadinha, que o jacaré não percebeu. E afastou-se por entre as folhas, silenciosamente.
O jacaré ficou pensativo. Dona Cascavel devia estar com a razão...Seu mal não tinha cura, pois há quanto tempo andava entediado? E, coisa muito estranha, não tinha motivos para tristeza....Nesse momento, porém, surgiu o Macaquinho Sabe-Tudo, médium vidente bem desenvolvido. E o que ele viu foi o seguinte – ao lado do Jacaré Coroa o espírito de um Jacaré velho e feio.
“Coitado do Jacaré Coroa”, disse Sabe-Tudo, dando pulos a margem da Lagoa Grande. “Tem um espírito obsessor ao lado dele! Vou avisá-lo, já!”
E, mais que depressa, contou-lhe o que vira. O Jacaré Coroa arregalou os olhos.
- Ah, então é ele a causa da minha “doença”?
- Sim, respondeu Sabe-Tudo, levando o dedo. Ele transmite os pensamentos de desânimo e você os recebe. E como você não é médium vidente nada percebe....
- E o que devo fazer?
- É simples. Você se libertará do espírito do jacaré feio não aceitando os pensamento dele...Além disso, deverá ajudar todos os animais da floresta e não fazer mal a eles. Tornando-se, daqui por diante, amigo de todos. O Bem é sua arma! Só o Bem afasta o mal....Lembre-se disso! E reze.
E assim fez Jacaré Coroa. E, até hoje, é um dos mais felizes animais da Floresta Maravilhosa!
(Iracema Sapucaia. O besouro casca dura)