Era um problema difícil
O caso de João Gandola,
Não desejava trabalho,
Vivia pedindo esmola.
Diziam os moradores
No Roçado da Carriça,
Que João era, quando moço,
O retrato da preguiça.
Perdera os pais muito cedo,
E dizendo-se doente,
Rogava de porta em porta,
Pão guardado ou caldo quente.
Pediam-lhe bons amigos:
— João, procura trabalhar
Ele apenas respondia:
— Quando eu puder, vou pensar.
Dona Maria das Dores,
Amiga sincera e justa,
Dizia-lhe: — João, devemos
Caminhar à nossa custa.
Após ouvi-la, Gandola
Entrava na choradeira:
— Sou pobre e ando doente,
Sofrendo de batedeira.
De quando em quando, ia à porta
Do médico Lino França
E o diálogo entre os dois
Nunca sofria mudança.
— João, você quer um prato?
— Eu aceito, sim senhor...
— E um copo de vinho fraco?
— Bebo, sim, quero doutor.
— Você quer a sobremesa?
— Um pouquinho para mim...
— João, você toma café?
— Bebo sempre, tomo sim...
Depois de ligeira pausa,
Eis o amigo a perguntar:
— Gandola, você precisa,
Da bênção de trabalhar.
Eu já pude examinar,
Você tem o corpo são...
Por que fugir do serviço
Esmolando sem razão?
João chorava e esclarecia:
— Muito triste é a minha sorte...
Sou fraco, vivo doente,
Trabalho? Prefiro a morte.
Passa o tempo e João agora
A ninguém pede, nem chama,
Todo esticado em lençóis,
Nunca mais saiu da cama.
O povo na caridade
Levava-lhe leite e pão,
Chá, café, comida pronta
Que às vezes queria ou não...
Um dia, corre a notícia,
Do catre quebrado e torto,
João descambara no chão
E todos acreditaram
Que Gandola estava morto.
Vendo a penúria de João,
O amigo Antônio Gualberto
Deu-lhe um caixão de presente,
Mas um caixão descoberto.
O médico estava ausente.
Quinze horas de velório.
A ordem para a saída
Partiu de Neca Gregório.
O cortejo ia seguindo,
Quando um amigo da roça,
Falou a Neca em voz baixa,
Mesmo encostado à carroça:
— Neca, peça a parada
Do povo, no funeral.
Mas explicou-se, solene,
Não faço isso por mal.
Aproximou-se do corpo,
E falou, mais para ver:
— Gandola, se você vive,
Escute o que vou dizer:
O sitiante Leonardo
Da Fazenda Fonte Limpa,
Mandou-lhe uma doação,
Um saco de arroz supimpa.
Ante a surpresa do povo,
Falou João, com certo enfado:
— Primeiro, eu quero saber,
Se esse arroz está pilado...
— Esse arroz está com casca...
Disse Neca descontente.
E João ainda exclamou:
— Não quero! Vivo doente.
O povo estava aterrado
Ante aquele quadro sério
E Gandola acentuou:
— A ter de socar arroz
Quero estar no cemitério...
Muitos amigos fugiram,
Com grande medo de João...
Poucos ficaram nas alças,
No transporte do caixão.
Esses poucos colocaram
Gandola na terra fria
E eu que me punha de lado,
Pensando em tudo o que via,
Fui olhar o amigo João
Muito cedo no outro dia.
O pobre, fora do corpo,
Chorava e se maldizia,
E eu mesmo muito espantado
Achei João desencarnado,
Sofrendo paralisia.
(Ponto de encontro. Espírito Jair Presente. Psicografado por Chico Xavier)