Fábio Henrique Ramos

        Em 1981 eu participava de um grupo de jovens que percorria, aos domingos, as ruas do Bairro Jardim América, em Belo Horizonte, pedindo, de casa em casa, algum mantimento, que doávamos a famílias necessitadas. Éramos uns cinco ou seis rapazes e moças, que levantavam cedo e se uniam num trabalho  modesto, mas pleno de experiencias  enriquecedoras. Reuníamo-nos na garagem da casa de uma senhora muito querida, fundadora do grupo, e fazíamos uma singela prece antes de sairmos às ruas.
        Os percursos eram alternados, de forma a nunca passarmos na mesma rua mais de uma vez ao mês, evitando sobrecarregar as famílias doadoras. Íamos de casa em casa, dos dois lados da rua, tocando a campainha e pedindo qualquer doação em gêneros não perecíveis.
Nos prédios, o trabalho era enormemente dificultado pelo interfone, pois as pessoas dizem não com  muita facilidade, quando não estão de frente com quem pede.
        Vozes mal-humoradas ou indiferentes, simplesmente diziam não haver nada em casa naquele dia.
         O amigo Tuim, irreverente, costumava responder de imediato:
        – E o que vocês vão almoçar hoje?
        Infelizmente víamos enormes espigões surgirem a cada dia, tomando o lugar das casas e distanciando-nos dos moradores e do contato olho no olho, quando é bem mais dificil recusar um auxilio modesto.
        Havíamos convecionado pedir em todas as casas, mesmo nas mais pobres, pois a oportunidade de doação deveria ser estendida a todos, indistintamente.Nesses lares simples jamais ouvíamos alguma recusa e recebíamos caixas de fósforos, sabão em barra ou sacos de feijão ou farinha, já abertos, amarrados com barbante. Mas dizer que não havia nada, isso não acontecia.
        Numa oportunidade, tive o prazer de assistir a um maravilhoso exemplo de desapego e renúncia.
        Bati na porta de uma casa velha, cujo reboco caía por falta de reforma de há muito necessitada.
        Ouvi passos ecoarem lá dentro e, em segundos, um garoto atendeu.
        Expliquei o que era e ele saiu a chamar o pai. Como deixou a porta aberta,dei uma espiada lá dentro e observei que não havia um único móvel, ali, nem mesmo uma cadeira.
        O som do homem caminhando em minha direção, sobre as tábuas do piso, era ampliado devido à ausência de objetos que o absorvessem. Ele tinha o aspecto abatido e vestia uma roupa surrada, mas muito limpa.Outras duas crianças surgiram, e as tr~es rodearam o pai, prestando atenção na nossa conversa.
        – Ô rapaz, eu estou desempregado há dois anos – disse ele – e as coisas não estão muito fáceis por aqui.
        Mas é para quem estes mantimentos?
        – Para famílias muito carentes. O desemprego está geral e aumenta a cada dia o número de necessitados.
        Mas, o senhor não precisa doar nada, estou vendo que...
        – Olha, eu tenho dado um jeito e de fome ainda não morremos. Tenho um arroz com casca, que nos vem mantendo.
        Ô menino, vai buscar o saco!
        E o garoto maior foi correndo e voltou arrastando um saco de linhagem, com uns dois palmos de arroz dentro. O pai pegou uma lata de óleo vazia, que lá estava, encheu-a e a derramou dentro de um pacote de papel. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa,  entregou-me o quilo de arroz dizendo:
        – Não é muito, mas vai matar a fome de alguém em situação pior que a minha.
        Os olhinhos dos meninos brilhavam e seus lábios esboçavam leve sorriso, aprovando o gesto do pai.
        Coloquei a prenda preciosa junto aos demais alimentos, já recolhidos por mim naquela manhã, e sai em direção à rua, incapaz de dizer uma palavra.
        Ao chegarmos de volta à garagem e fazermos o levantamento do que ganháramos concluímos que a manhã havia sido generosa conosco. Os cinco estavam suados e cansados, mas uns oitenta quilos de alimentos foram recolhidos.Agradecemos a Deus comovidos. Então, contei aos colegas sobre o "quilo de arroz".
         O Luiz, amoroso, sugeriu que déssemos um destino diferente à produção daquele dia, doando tudo àquela família.
        Acatamos por unanimidade a sugestão.
        Enquanto eles, em mais um grande esforço, levavam os alimentos, dirigi-me a minha casa, refletindo sobre as leis divinas e sua simplicidade. Estava tudo tão claro!
        O valor de nossas doações não depende do peso ou da quantidade, mas do que elas representam para nós.
        Quanto maior o gesto de renúncia, maior a doação. Aquele pai de família havia doado grande parte do que lhe restava de patrimônio e já começava, no mesmo dia, a receber de volta, a receber de volta multiplicando, o beneficio feito.

 

(Fonte: https://peloscaminhosdaevangelizacao.blogspot.com.br/2012/05/solidariedade_22.html)

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