Em 1981 eu participava de um grupo de jovens que percorria, aos domingos, as ruas do Bairro Jardim América, em Belo Horizonte, pedindo, de casa em casa, algum mantimento, que doávamos a famílias necessitadas. Éramos uns cinco ou seis rapazes e moças, que levantavam cedo e se uniam num trabalho modesto, mas pleno de experiencias enriquecedoras. Reuníamo-nos na garagem da casa de uma senhora muito querida, fundadora do grupo, e fazíamos uma singela prece antes de sairmos às ruas.
Os percursos eram alternados, de forma a nunca passarmos na mesma rua mais de uma vez ao mês, evitando sobrecarregar as famílias doadoras. Íamos de casa em casa, dos dois lados da rua, tocando a campainha e pedindo qualquer doação em gêneros não perecíveis.
Nos prédios, o trabalho era enormemente dificultado pelo interfone, pois as pessoas dizem não com muita facilidade, quando não estão de frente com quem pede.
Vozes mal-humoradas ou indiferentes, simplesmente diziam não haver nada em casa naquele dia.
O amigo Tuim, irreverente, costumava responder de imediato:
– E o que vocês vão almoçar hoje?
Infelizmente víamos enormes espigões surgirem a cada dia, tomando o lugar das casas e distanciando-nos dos moradores e do contato olho no olho, quando é bem mais dificil recusar um auxilio modesto.
Havíamos convecionado pedir em todas as casas, mesmo nas mais pobres, pois a oportunidade de doação deveria ser estendida a todos, indistintamente.Nesses lares simples jamais ouvíamos alguma recusa e recebíamos caixas de fósforos, sabão em barra ou sacos de feijão ou farinha, já abertos, amarrados com barbante. Mas dizer que não havia nada, isso não acontecia.
Numa oportunidade, tive o prazer de assistir a um maravilhoso exemplo de desapego e renúncia.
Bati na porta de uma casa velha, cujo reboco caía por falta de reforma de há muito necessitada.
Ouvi passos ecoarem lá dentro e, em segundos, um garoto atendeu.
Expliquei o que era e ele saiu a chamar o pai. Como deixou a porta aberta,dei uma espiada lá dentro e observei que não havia um único móvel, ali, nem mesmo uma cadeira.
O som do homem caminhando em minha direção, sobre as tábuas do piso, era ampliado devido à ausência de objetos que o absorvessem. Ele tinha o aspecto abatido e vestia uma roupa surrada, mas muito limpa.Outras duas crianças surgiram, e as tr~es rodearam o pai, prestando atenção na nossa conversa.
– Ô rapaz, eu estou desempregado há dois anos – disse ele – e as coisas não estão muito fáceis por aqui.
Mas é para quem estes mantimentos?
– Para famílias muito carentes. O desemprego está geral e aumenta a cada dia o número de necessitados.
Mas, o senhor não precisa doar nada, estou vendo que...
– Olha, eu tenho dado um jeito e de fome ainda não morremos. Tenho um arroz com casca, que nos vem mantendo.
Ô menino, vai buscar o saco!
E o garoto maior foi correndo e voltou arrastando um saco de linhagem, com uns dois palmos de arroz dentro. O pai pegou uma lata de óleo vazia, que lá estava, encheu-a e a derramou dentro de um pacote de papel. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, entregou-me o quilo de arroz dizendo:
– Não é muito, mas vai matar a fome de alguém em situação pior que a minha.
Os olhinhos dos meninos brilhavam e seus lábios esboçavam leve sorriso, aprovando o gesto do pai.
Coloquei a prenda preciosa junto aos demais alimentos, já recolhidos por mim naquela manhã, e sai em direção à rua, incapaz de dizer uma palavra.
Ao chegarmos de volta à garagem e fazermos o levantamento do que ganháramos concluímos que a manhã havia sido generosa conosco. Os cinco estavam suados e cansados, mas uns oitenta quilos de alimentos foram recolhidos.Agradecemos a Deus comovidos. Então, contei aos colegas sobre o "quilo de arroz".
O Luiz, amoroso, sugeriu que déssemos um destino diferente à produção daquele dia, doando tudo àquela família.
Acatamos por unanimidade a sugestão.
Enquanto eles, em mais um grande esforço, levavam os alimentos, dirigi-me a minha casa, refletindo sobre as leis divinas e sua simplicidade. Estava tudo tão claro!
O valor de nossas doações não depende do peso ou da quantidade, mas do que elas representam para nós.
Quanto maior o gesto de renúncia, maior a doação. Aquele pai de família havia doado grande parte do que lhe restava de patrimônio e já começava, no mesmo dia, a receber de volta, a receber de volta multiplicando, o beneficio feito.
(Fonte: https://peloscaminhosdaevangelizacao.blogspot.com.br/2012/05/solidariedade_22.html)