Enganam-se aqueles que consideram "O Livro dos Médiuns", publicado por Allan Kardec, um manual universal para se desenvolver a mediunidade e que qualquer indivíduo possa se tornar um médium ostensivo, seguindo determinadas instruções.
Na realidade, na introdução deste livro, Allan Kardec faz o seguinte esclarecimento:
"Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa ideia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.
Enganar-se-ia igualmente quem supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns. Se bem CADA UM TRAGA EM SI O GÉRMEN DAS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA SE TORNAR MÉDIUM, tais qualidades EXISTEM EM GRAUS MUITO DIFERENTES e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de alguma dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam, no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo CONSISTE EM INDICAR OS MEIOS DE DESENVOLVIMENTO DA FACULDADE MEDIÚNICA, TANTO QUANTO O PERMITAM AS DISPOSIÇÕES DE CADA UM, E, SOBRETUDO, DIRIGIR-LHE O EMPREGO DE MODO ÚTIL, QUANDO ELA EXISTA." (O Livro dos Médiuns. Introdução. Allan Kardec)
"Ora, A FACULDADES DOS MÉDIUNS é uma faculdade natural que DEPENDE DA SUA ORGANIZAÇÃO, como a faculdade sonambúlica; que não requer sexo, nem idade, nem instrução, pois a encontramos nas crianças, nas senhoras e nos velhos." (Revista Espírita. Julho de 1859. Resposta à réplica do abade chesnel em "L 'Univers". Allan Kardec)
"Todavia, (...) não se deve forçar o desenvolvimento dessas faculdades nas crianças, quando não é espontânea, e que, em todos os casos, se deve proceder com grande circunspecção, não convindo nem excitá-las, nem animá-las nas pessoas débeis." (O Livro dos Médiuns. Cap. 18. Item 222. Allan Kardec)
A mediunidade é inerente ao ser humano, mas depende de uma predisposição orgânica, ou seja, é hereditária (vide: O Livro dos Espíritos. Questão 450-a e 451), onde cada indivíduo a manifesta em maior ou menor grau, sendo raro aquele que dela não apresente nenhum rudimento (gérmen).
Segundo o Codificador da Doutrina Espírita, "Toda pessoa que sente num grau qualquer a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Essa faculdade é inerente às pessoas e conseqüentemente não constitui privilégio exclusivo de ninguém; por isso mesmo, poucas são as pessoas que não possuem algum rudimento dela. Podemos dizer, portanto, que todas as pessoas são, mais ou menos, médiuns." (O Livro dos Médiuns. Cap. 14. Item 159. Allan Kardec)
"O mérito, portanto, não está na posse da faculdade medianímica, que a todos pode ser dada, mas no uso que dela fazemos. Eis uma distinção capital, que jamais se deve perder de vista: a boa qualidade do médium não está na facilidade das comunicações, mas unicamente na sua aptidão para só receber as boas. Ora, é nisto que as suas condições morais são onipotentes; é nisso também que ele encontra os maiores escolhos." (Revista Espírita. Fevereiro de 1859. Encolho dos Médiuns. Allan Kardec)
"Um médium pode, sem dúvida, ter muitas aptidões, havendo, porém, sempre uma dominante. Ao cultivo dessa é que, se for útil, deve ele aplicar-se. EM ERRO GRAVE INCORRE QUEM QUEIRA FORÇAR DE TODO MODO O DESENVOLVIMENTO DE UMA FACULDADE QUE NÃO POSSUA. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça possuir os germens. Procurar ter as outras é, acima de tudo, perder tempo e, em segundo lugar, perder talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.
(...) Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se excelente e obter grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nunca deixam impune. Os bons abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente, não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que receberam, aspiram, por amor-próprio, ou ambição, a possuir faculdades excepcionais, capazes de os tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de médiuns seguros." (O Livro dos Médiuns. Cap. 16. Item 198. Allan Kardec)
"A FACULDADE DE VER OS ESPÍRITOS pode, sem dúvida, desenvolver-se, mas é uma das de que CONVÉM ESPERAR O DESENVOLVIMENTO NATURAL, SEM O PROVOCAR, em não se querendo ser joguete da própria imaginação. Quando o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta de si mesma. Em princípio, devemos contentar-nos com as que Deus nos outorgou, sem procurarmos o impossível, por isso que, pretendendo ter muito, corremos o risco de perder o que possuímos." (O Livro dos Médiuns. Cap. 16. Item 198. Allan Kardec)
"De todos os meios de comunicação é a escrita o mais simples, o mais cômodo e, sobretudo, o mais completo." (Instruções práticas as manifestações dos Espíritos. Cap. 5. Allan Kardec)
"As comunicações transmitidas pela psicografia são mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediadora. Uns apenas obtêm palavras; noutros a faculdade se desenvolve pelo exercício e escrevem frases completas e, por vezes, dissertações desenvolvidas sobre assuntos propostos ou abordados espontaneamente pelos Espíritos, sem que se lhes tenha feito qualquer pergunta.
Às vezes a escrita é clara e legível; outras vezes só é decifrável por quem a escreveu, e este então a lê por uma espécie de intuição ou dupla vista." (Revista Espírita. Janeiro de 1858. Vários modos de comunicação. Allan Kardec)
É possível, portanto, desenvolver a mediunidade de psicografia por exercício, caso não haja desenvolvimento natural, ou seja, manisfestação espontânea, que ocorre em médiuns formados?
Sim, há recomendações sugeridas nas obras publicadas por Allan Kardec, desde que o médium possua predisposição orgânica. Vejamos algumas das indicações:
"(...) Uma coisa negligenciada por quase todos os principiantes é fazer uma pergunta. É evidente que o Espírito evocado não poderá responder, desde que não seja interrogado. Poderá sem dúvida, dizer algo espontaneamente, como acontece a cada momento com os médiuns formados; mas com quem esteja ainda no princípio, o Espírito tem uma primeira dificuldade a vencer. É, pois, necessário simplificá-la tanto quanto possível, por ser o efeito que produz uma pergunta conducente a uma resposta precisa. Para começar, dever-se-á ter cuidado de formular a pergunta de tal maneira que a resposta seja apenas sim ou não; mais tarde essa precaução tornar-se-á inútil. A natureza da pergunta não é indiferente: não é preciso que, por si mesma, tenha uma importância real; ao contrário, quanto mais simples, melhor; a princípio trata-se de simples relação a estabelecer; o essencial é que não seja fútil, que não se reporte a interesses privados e, sobretudo, que seja a expressão de um sentimento benevolente e simpático para o Espírito ao qual nos dirigimos.
Coisas não menos necessárias são a calma e o recolhimento, unidos a um ardente desejo e a uma firme vontade de êxito. E pela vontade aqui entendemos não uma vontade efêmera, que age por impulsos e que a cada instante é interrompida por outras preocupações, mas uma vontade paciente, perseverante, sustentada pela prece dirigida ao Espírito evocado. O recolhimento é favorecido pela solidão, pelo silêncio e pelo afastamento de tudo quanto possa causar distrações. Agora resta apenas uma coisa a fazer: esperar sem desânimo e renovar diariamente a tentativa durante dez a quinze minutos no máximo de cada vez, possivelmente num período de quinze dias a um ou dois meses. Por isso dissemos que era preciso uma vontade paciente e perseverante. É que, por outro lado, consultados os Espíritos sobre a aptidão desta ou daquela pessoa, quase sempre dizem: "com a vontade triunfareis". É então possível que se tenha êxito logo da primeira vez, como também é possível que se tenha de esperar durante um tempo mais ou menos longo. Em todo caso, se ao cabo de três meses não se obtiver absolutamente nada será quase inútil continuar.
(...) Têm-se visto pessoas absolutamente incrédulas ficar admiradas de escrever, mau grado seu, enquanto que crentes sinceros não o conseguem. Isto prova que a faculdade se deve a uma DISPOSIÇÃO ORGÂNICA." (Instruções práticas as manifestações dos Espíritos. Cap. 5. Allan Kardec)
(...) Suponhamos agora que a faculdade mediúnica esteja completamente desenvolvida; que o médium escreva com facilidade; que seja, em suma, o que se chama um médium feito. Grande erro de sua parte fora crer-se dispensado de qualquer instrução mais, porquanto apenas terá vencido uma resistência material. Do ponto a que chegou é que começam as verdadeiras dificuldades, é que ele mais do que nunca precisa dos conselhos da prudência e da experiência, se não quiser cair nas mil armadilhas que lhe vão ser preparadas. Se pretender muito cedo voar com suas próprias asas, não tardará em ser vítima de Espíritos mentirosos, que não se descuidarão de lhe explorar a presunção.
Uma vez desenvolvida a faculdade, é essencial que o médium não abuse dela. (...) Devem lembrar-se de que ela lhes foi dada para o bem e não para satisfação de vã curiosidade. Convém, portanto, que só se utilizem dela nas ocasiões oportunas e não a todo momento. Não lhes estando os Espíritos ao dispor a toda hora, correm o risco de ser enganados por mistificadores.
(...) Bom é que, para evitarem esse mal, adotem o sistema de só trabalhar em dias e horas determinados, porque assim se entregarão ao trabalho em condições de maior recolhimento e os Espíritos que os queiram auxiliar, estando prevenidos, se disporão melhor a prestar esse auxílio.
(...) Se, apesar de todas as tentativas, a mediunidade não se revelar de modo algum, deverá o aspirante renunciar a ser médium, como renuncia ao canto quem reconhece não ter voz. Do mesmo modo que aquele que ignora uma língua se vale de um tradutor, o recurso para o dito aspirante será servir-se de outro médium. Mas, se não puder, à falta de médiuns, recorrer a nenhum, nem por isso deverá considerar-se privado da assistência dos Espíritos. Para estes, a mediunidade constitui um meio de se exprimirem, porém, não um meio exclusivo de serem atraídos. Os que nos consagram afeição se acham ao nosso lado, sejamos ou não médiuns. Um pai não abandona um filho porque, surdo e cego, não o pode ouvir nem ver; cerca-o, ao contrário, de toda a solicitude. O mesmo fazem conosco os bons Espíritos. Se não podem transmitir-nos materialmente seus pensamentos, auxiliam-nos por meio da inspiração." (O Livro dos Médiuns. Cap. 16. Item 216, 217, 218. Allan Kardec)
"A inspiração nos vem dos Espíritos que nos influenciam para o bem, ou para o mal, porém, procede, principalmente, dos que querem o nosso bem e cujos conselhos muito amiúde cometemos o erro de não seguir. Ela se aplica, em todas as circunstâncias da vida, às resoluções que devamos tomar. Sob esse aspecto, pode dizer-se que todos são médiuns, porquanto não há quem não tenha seus Espíritos protetores e familiares, a se esforçarem por sugerir aos protegidos salutares idéias. Se todos estivessem bem compenetrados desta verdade, ninguém deixaria de recorrer com freqüência à inspiração do seu anjo de guarda, nos momentos em que se não sabe o que dizer, ou fazer. Que cada um, pois, o invoque com fervor e confiança, em caso de necessidade, e muito freqüentemente se admirará das idéias que lhe surgem como por encanto, quer se trate de uma resolução a tomar, quer de alguma coisa a compor. Se nenhuma idéia surge, é que é preciso esperar. A prova de que a idéia que sobrevém é estranha à pessoa de quem se trate está em que, se tal idéia lhe existira na mente, essa pessoa seria senhora de, a qualquer momento, utilizá-la e não haveria razão para que ela se não manifestasse à vontade. "(O Livro dos Médiuns. Cap. 15. Item 182. Allan Kardec)
Entretanto, na mediunidade de inspiração a dificuldade está em se distinguir os seus pensamentos daqueles que lhe são sugeridos. (Vide: Revista Espírita. Março de 1859. Estudo sobre os médiuns. Allan Kardec)
Diante do exposto, conclui-se que mesmo que um médium possua vontade e seriedade em seus propósitos para desenvolver determinado tipo de mediunidade, isto não será possível se o indivíduo não tiver predisposição orgânica. Os exercícios indicados para que se desenvolva a mediunidade, descritos em "O Livro dos Médiuns", somente serão eficazes caso haja algum gérmen no indivíduo, ou seja, alguma predisposição genética. É um grande erro forçar o desenvolvimento mediúnico naquele que não possui a faculdade. É grande equívoco também forçar o desenvolvimento da mediunidade em crianças, indivíduos doentes, ou com deficiência intelectual ou atraso cognitivo, devido às suas condições frágeis.
Aliás, em alguns casos, é recomendável esperar o desenvolvimento natural, sem o provocar, para que não haja o risco do médium ser enganado por ideias da sua própria imaginação ou por Espíritos falsos. Quando o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta espontaneamente.
Sendo assim, as instruções descritas em "O Livro dos Médiuns" servem para "educar a mediunidade", haja vista que Kardec, nos informa que, de certo modo, todos somos, "mais ou menos, médiuns", inclusive podemos receber pensamentos dos Espíritos pela inspiração. Portanto, não se desenvolve uma faculdade já existente em nós, o que se pode fazer é educá-la, ou seja, exercitá-la de maneira que se possa obter boas comunicações, através da experiência.