Minha agonia não foi prolongada, apesar da moléstia física que me prostrou o organismo combalido na luta, por muitos dias. Sacerdote católico que fui, em minha derradeira existência, tive a felicidade de conservar integérrimos os meus sentimentos de fé, até o supremo minuto. A princípio, experimentei a paralisia parcial dos meus órgãos, que se sentiam avassalados por uma onda de frio, e os meus padecimentos corporais localizavam-se em diversos pontos orgânicos, recrudescendo assustadoramente. Afigurava-se-me que todas as glândulas, mormente, as sudoríferas, trabalhavam com excesso para eliminar algo de intoxicante e destruidor que se apossava dos meus centros de força. Minha vontade dominadora enviava as suas últimas mensagens ao sistema nervoso e a fé, nesses martirizantes segundos, constituiu para mim uma alavanca prodigiosa de amparo e controle. Sentia que todas as minhas vísceras, todos os meus nervos desenvolviam uma atividade exortante para que não se apagasse a derradeira centelha de vida que os mantinha coesos, evitando, assim, a fuga da minh’alma. Notei, porém, que uma nuvem esbranquiçada ia-se formando ao meu lado, justaposta ao meu corpo e quando orava fervorosamente via aumentar-se, com fragmentos da mesma matéria fluídica que me era desconhecida e que se me afigurava composta de infinitésimos átomos luminosos, distendendo-se aqueles fragmentos fantásticos que os meus olhos divisavam estupefatos, sem poder articular mais um vocábulo. Sentindo a glote coberta de intumescências, experimentei-me na posse de uma visão e audição extraordinárias, como se me encontrasse dentro de outra vida, perdurando esse estado com intermitências. Senti, porém, que se passava em mim algo superordinário. Uma sensação intraduzível de sofrimento me subjugava. Todavia, simultaneamente, afigurava-se-me que muitas mãos pousavam sobre a minha epiderme, como se me submetessem a operações mesméricas. (...)
Adormeci numa noite sem visões e sem sonhos. Passada, porém, uma fração de tempo que não me é possível precisar, acordei-me sobre um leito alvíssimo, como se fora obrigado a repousar em uma cama higiênica de hospital. Rajadas de ar puro sutilíssimo inundavam o meu aposento, onde eu experimentava um inexprimível bem-estar. Curado? Como se operara o milagre? Sentia-me restabelecido, com a minha saúde integral, com serenidade invejável, aliada a uma ótima disposição para a vida e para a atividade. Onde estariam os meus familiares que não se abeiravam do meu leito para me felicitar pela obtenção de tão preciosa dádiva divina? Chamei-os, nominalmente, empolgado pelo júbilo que fazia vibrar todas as fibras de minh’alma. Eis que se me apresentou alguém, trajado como se fosse um médico vulgar, e aconselhou-me repouso absoluto e absoluta serenidade de ânimo. Inquiri-o sobre os seus miraculosos processos de tratamento. Todavia, o interpelado, alçando a destra para o Alto, respondeu com paciência e brandura: “Tende calma. Não estais sendo tratado segundo a nosologia clássica.” Prescreveu-me conselhos morais e salatures advertências. Aí permaneci ainda por algum tempo e tive oportunidade de notar, com admiração justificável, a atuação da minha vontade sobre todos os elementos que me cercavam. Recordo-me firmemente do meu crucifixo de prata pendido constantemente sobre a minha cabeceira e eis que no local de minha preferência, atendendo ao meu desejo veemente, apareceu-me esse objeto de estima. Tomei-o, admirado, em minhas mãos, apalpando-lhe os contornos e inquirindo se não era vítima de um fenômeno alucinatório e, como inúmeros fatos semelhantes ocorreram, eles me obrigavam a meditar sobre a influência do meu pensamento nos fluidos e matérias circunstantes. Pouco a pouco, entidades zelosas e protetoras encaminharam-me para o conhecimento do meu próprio “eu” no post-mortem, até que cheguei a compreender esta transformação da existência corporal como uma bênção divina. Pude então gozar de afetos ilibados que jamais deixara sob o pó do esquecimento, revendo seres bem-amados e almas queridas.
(Deus conosco. Sacerdote católico que fui. Espírito Emmanuel. Psicografado por Chico Xavier)