As condições de aprendizado da criança variam numa escala progressiva, segundo o seu desenvolvimento psicossomático. Determinar uma idade-limite em que essas fases se sucedem é temerário. Atualmente as escalas ontogenéticas são bastante flexíveis. No campo específico da psicogenética verifica-se uma continuidade (e não uma sucessão descontínua) entre a percepção e o desenvolvimento da representação. Por outro lado, o desenvolvimento da linguagem, como observa René Hubert (La Croissance Mentale) equivale ao desenvolvimento da inteligência. Vejamos a sua afirmação textual: Em particular, a linguagem humana é certamente o fator mais poderoso da passagem da inteligência prática à inteligência representativa. Tanto Piaget como Wallon concordam com isso e são citados por Hubert. (I parte: a Infância, obra citada.). A inteligência infantil se manifesta progressivamente, passando da fase sensório-motora para a fase prática, desta para a representativa e desta para a abstrata. Mas está sempre atuante no desenvolvimento orgânico e psíquico.
Enfrentando o problema na posição materialista podemos negar à criança a capacidade de compreensão de certos princípios abstratos, mas enfrentando-o numa posição espírita teremos de admitir as suas possibilidades latentes. A captação intuitiva, subliminar, antecipa a compreensão racional e prepara o seu desabrochar no futuro. A contribuição atual da Parapsicologia, nesse sentido, abre novas perspectivas ao revelar maior dinamismo do inconsciente, tanto na criança quanto rio adulto. As ciências de hoje se aproximam rapidamente das rejeitadas conclusões espíritas.
Mas, além disso, é preciso lembrar que a evangelização da infância não é nem pode ser feita em termos de pura abstração, o que seria um ilogismo. Daí o apelo muito justo e muito pedagógico, pois inegavelmente didático, às estorietas figuradas. Trata-se de uma técnica audio-visual de inegável eficiência. E seu objetivo não é a transmissão dos princípios doutrinários, mas o despertar da criança para a compreensão de realidades que ela já traz no inconsciente, na memória profunda que guarda as vivências do passado. A função da estorieta é a mesma da maiêutica de Sócrates e lembra o acordar da reminiscência platônica na mente do espírito encarnado. Essa função, por sinal, corresponde precisamente ao objetivo real da educação, que não é transmitir ensinamentos mas predispor a mente a recebê-los através da instrução e assimilá-los na formação cultural.
Por tudo isso a evangelização da criança não pode ser encarada como ato de imposição ou de violência. Nenhuma aula de evangelização espírita impõe dogmas de fé nem pretende realizar a internalização dos princípios espíritas, pois sua finalidade é o contrário: despertar na criança as suas forças interiores e fazê-las aflorar no plano da consciência. O que se pode é enriquecer essas aulas com as contribuições do Método Montessori, criando um ambiente estimulante e juntando às estorietas outros elementos sensoriais, de acordo com as faixas etárias dos alunos. Os trabalhos de Maria Montessori e a sua teoria educacional correspondem em grande parte às aspirações e aos objetivos da evangelização espírita das crianças. Não seria deixando a criança entregue a si mesma, a título de respeitar o seu livre-arbítrio, que a poderíamos conduzir à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal sustentadas pelo Espiritismo. O próprio conhecimento da psicologia infantil, particularmente acrescida da contribuição espírita — que nos oferece uma. interpretação psicológica da infância muito mais profunda e real — exige que nos interessemos pela sua evangelização.
(Pedagogia Espírita. J. Herculano Pires)