Esta polêmica surgiu devido a informação contida no livro "Obras Póstumas", de que Allan Kardec deveria reencarnar para continuar seu trabalho, provavelmente no fim do século XIX ou no ínicio do século XX, época que coincide com a data de nascimento (1910) do médium Francisco Cândido Xavier, um dos maiores continuadores do Espiritismo.
Em "Obras Póstumas", no artigo "Primeira notícia de uma nova encarnação", através da médium Srta. Baudin, em 17 de janeiro de 1857, Allan Kardec obteve a seguinte revelação, ditada pelo Espírito Zéfiro:
"Mas, ah! a verdade não será conhecida de todos, nem crida, senão daqui a muito tempo! Nessa existência não verás mais do que a aurora do êxito da tua obra. Terás que voltar, reencarnado noutro corpo, para completar o que houveres começado e, então, dada te será a satisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado pela Terra." (Obras Póstumas. Segunda Parte. A minha primeira iniciação no Espiritismo. Allan Kardec)
Em 10 de junho de 1860, na casa de Allan Kardec, a médium Sra. Schmidt, que é intermediária do Espírito de Verdade lhe traz uma confirmação da primeira revelação:
"Não permanecerás longo tempo entre nós. Terás que volver à Terra para concluir a tua missão, que não podes terminar nesta existência. Se fosse possível, absolutamente não sairias daí; mas, é preciso que se cumpra a lei da Natureza. Ausentar-te-ás por alguns anos e, quando voltares, será em condições que te permitam trabalhar desde cedo. Entretanto, há trabalhos que convém os acabes antes de partires; por isso, dar-te-emos o tempo que for necessário a concluí-los."
E em nota, acrescenta:
"Calculando aproximadamente a duração dos trabalhos que ainda tenho de fazer e levando em conta o tempo da minha ausência e os anos da infância e da juventude, até à idade em que um homem pode desempenhar no mundo um papel, a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro." (Obras Póstumas. Segunda Parte. Minha volta. Allan Kardec)
Observa-se que a nota acrescentada posteriormente foi escrita pelo próprio Allan Kardec, pois o Espírito de Verdade não utilizaria pronome pessoal oculto e pronome possessivo na primeira pessoa do singular, tais como : "trabalhos que ainda (eu) tenho de fazer..." ; "a minha volta", que representam aquele que fala, mas pelo contrário, utilizaria a segunda pessoa (tu/vós/você, o senhor), como fez primeiramente, através de sujeito oculto, para representar aquele com quem se fala.
Sendo assim, Allan Kardec, apesar de sido médium de inspiração, pode ter se equivocado quanto a época que ele reencarnaria no planeta Terra novamente, pois Zéfiro e o Espírito de Verdade não disseram a data exata de quando seria este momento.
Zéfiro apenas disse que aconteceria "em plena frutificação da semente que houveres espalhado pela Terra", ou seja, provavelmente quando o Espiritismo estiver "muito difundido, compreendido e praticado sobre a Terra", o que, certamente, demandaria um tempo razoável para que tal coisa ocorresse. Apesar de estarmos no século XXI, onde há um grande avanço na área da ciência e tecnologia, observamos que ainda não chegou essa época da frutificação, pois o Espiritismo tem poucos adeptos no mundo, portanto, o retorno, consequentemente, não se realizou.
Aliás, quando o Espírito de Verdade disse à Allan Kardec "ausentar-te-ás por alguns anos", provavelmente utilizou-se uma expressão simbólica, pois a contagem do tempo para os Espíritos de ordem Superior é diferente, de acordo com o ensinamento transcrito abaixo:
"Os Espíritos vivem fora do tempo como o compreendemos. A duração, para eles, deixa, por assim dizer, de existir. Os séculos, para nós tão longos, não passam, aos olhos deles, de instantes que se movem na eternidade, do mesmo modo que os relevos do solo se apagam e desaparecem para quem se eleva no espaço."(O Livro dos Espíritos. Questão 240. Allan Kardec)
Portanto, isto é outro indício de que não é possível afirmar que Allan Kardec já tenha reencarnado.
No entanto, devido ao cálculo realizado pelo próprio Codificador, acrescentado em nota, o médium Chico Xavier algumas vezes foi questionado sobre essa questão, e deu as seguintes respostas:
1- "Até hoje (ano 1971), pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures. (...) Pensamos que, quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, pela presença que mostre." (Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires, Programa Especial de Primeiro Aniversário. Fonte: https://www.fundacaoherculanopires.org.br/no-limiar-do-amanha/350-programa-especial-de-primeiro-aniversario-1971.html.)
2 - "Pessoalmente, não tenho até hoje (janeiro 1977) qualquer notícia dos Espíritos Amigos sobre o regresso do Codificador à Terra pelas vias da reencarnação." (Lições de Sabedoria: Chico Xavier aos 23 Anos da Folha Espírita. Marlene Nobre)
3 - "Muitos espíritas afirmam que Francisco Cândido Xavier é a reencarnação de Allan Kardec. - Não, não sou. Não fico brabo, porque digo isso com serenidade. Consulto a minha via psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos. "(Chico Xavier, o Mineiro do Século. Costa e Silva)
Analisando as biografias dessas duas grandes personalidades, nota-se, realmente, uma grande discrepância, principalmente no campo psicológico. Chama muito a atenção que suas individualidades são extremamente opostas: Chico Xavier revelava-se um Espírito acentuadamente feminino e, embora estivesse reencarnado no gênero masculino, exibia alguns trejeitos evidentes do sexo feminino, como igualmente exteriorizava um temperamento mais sensível. Enquanto Allan Kardec foi um homem austero, sisudo e valente, dotado de grande personalidade masculina.
Alguns autores espíritas, que conheceram o médium brasileiro, confirmaram que ele havia reencarnado em corpo dissociado de sua estrutura psicológica, vejamos:
Jorge Rizzini (1924-2008), na entrevista intitulada "Em Defesa dos Princípios Doutrinários", publicada na revista Universo Espírita (out/2005), disse que:
" (...) Chico é uma alma feminina. Ele me falou das encarnações passadas dele, sempre como mulher. E ele reencarnou com um corpo de homem para poder desenvolver esse trabalho fantástico e esta fidelidade a Jesus. Mas a alma dele é feminina, ele sempre demonstrou isso. É uma alma maternal, ele é uma mãe, não é pai. Pai é Kardec, um homem da verdade, firme ao falar." (Revista Universo Espírita. Outubro de 2005. Em Defesa dos Princípios Doutrinários. Jorge Rizzini)
O próprio médium Chico Xavier, afirmou, em outro momento, que foi mulher em suas reencarnações anteriores, em resposta à Ranieri, dizendo:
"(...) Eu, por exemplo, é a primeira reencarnação de homem que tenho. A Espiritualidade Superior, quando eu fui reencarnar, estava preocupada com isso, achava que eu poderia fracassar... Há uma linha de reencarnação, acredito, da qual é muito difícil escapar. O espírito precisa de se preparar para isso." ( Recordações de Chico Xavier. R. A. Ranieri)
Divaldo P. Franco, em Conversando com Divaldo Pereira Franco - II (2010), disse:
"Chico Xavier tinha a predominância anima na sua organização masculina. Chico era a doçura em pessoa. Era mãe, muito mais do que pai. Estava sempre anuindo, gentil e bondoso. Para aqueles que não sabem, era um excelente cozinheiro e um admirável bordador. Eu mesmo tenho um pedacinho de tecido com o trabalho de crivo - as mulheres sabem o que é - e de labirinto, das mãos do Chico, um aquarelista incomum." (Conversando com Divaldo Pereira Franco - II . Divaldo Franco. FEP)
Arnaldo Rocha (1922-2012) em depoimento registrado na obra Chico, Diálogos e recordações... (2006), faz a seguinte afirmação:
"(...) Que Chico Xavier nos apresentou, nessa sua última reencarnação, um perfil feminino em sua essencialidade, não restam dúvidas. O que fica para nós é o desejo real de apreender com a doutrina Espírita sobre o trâmite do espírito em suas polaridades sexuais. " (Chico, Diálogos e Recordações... Carlos Alberto Braga Costa)
Allan Kardec ensina na Revista Espírita de janeiro de 1866, que "(...) os Espíritos se encarnam nos diferentes sexos; tal que foi um homem poderá renascer mulher, e tal que foi mulher poderá renascer homem, a fim de cumprir os deveres de cada uma dessas posições, e delas suportar as provas. (...) Depois, pode ocorrer que o Espírito percorra uma série de existências num mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, ele possa conservar, no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher do qual a marca permaneceu nele. Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão, em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres." (Revista Espírita. As mulheres têm alma? Janeiro de 1866. Allan Kardec)
Portanto, no aspecto psicológico, fica bem evidente que Chico Xavier não poderia ser a reencarnação de Allan Kardec. O próprio médium, quando questionado, negou que tenha sido o Codificador da Doutrina Espírita.
Por outro lado, se também analisarmos os critérios utilizados por ambos para divulgação da Doutrina Espírita, perceberemos uma grande diferença. Allan Kardec foi um grande pesquisador que criou uma metodologia científica rigorosa para codificar a Doutrina Espírita, no qual toda teoria revelada pelos Espíritos deveria ser passada pela prova do "Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos" (CUEE). Em contrapartida, Chico Xavier foi apenas um bom médium, ainda imperfeito, que deixou suas obras psicografadas para serem analisadas por outros pesquisadores espíritas. Poderíamos dizer que o primeiro foi o "Chefe do Espiritismo" e o segundo um humilde servidor.
Segundo Américo, "O médium, opostamente ao codificador, sempre se depreciava, intitulando-se uma "besta", "um nada", "capim" e "verme"." (Artigo: O Consolador - Revista Semanal de Divulgação Espírita. Será Chico Xavier a reencarnação de Allan Kardec? Ano 5. N°209 - 15 de Maio de 2011. Américo Domingos Nunes Filho)
De acordo com a Doutrina Espírita, não existe médium perfeito, "o melhor é aquele que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido o menos enganado." (O Livro dos Médiuns. Cap. 20, nº 226, Questão 9. Allan Kardec)
Chico Xavier reconhecia que já tinha sido vítima de mistificação, por isso dizia: (...) "Que se um dia, Emmanuel aconselhasse algo que não estivesse de acordo com as palavras de Jesus e Kardec, que deveria PERMANECER COM JESUS E KARDEC, procurando esquecê-lo." (Livro: No mundo de Chico Xavier. Elias Barbosa)
O médium sabia que a base doutrinária organizada por Allan Kardec não poderia ser substituída por nenhuma revelação nova trazida por ele, apesar de ter contribuido muito para continuidade do Espiritismo. Todas as suas psicografias deveriam ser analisadas pelo crivo da razão e da lógica, além disso, precisavam passar antes pela prova do "Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos" (CUEE).
A Federação Espírita Brasileira ficou responsável pela análise e divulgação de suas obras subsidiárias, porém não soube realizar o trabalho adequadamente, causando algumas incongruências no movimento espírita brasileiro.
Sendo assim, de forma alguma, podemos concluir que Chico Xavier é a reencarnação de Allan Kardec.