A resposta do benfeitorEm plena reunião, Venâncio, o orientador espiritual, senhoreava o aparelho mediúnico e falava para a assembleia de oito pessoas:
— É o culto do Evangelho, meus amigos. Precisamos de companheiros que se disponham a efetuá-lo no ambiente de nossos irmãos Silverini. A família recorre aos nossos préstimos e apelaremos, por nossa vez, para a misericórdia do Senhor.
O Evangelho é a nossa carta de crédito e o quadro é doloroso. Cinco jovens obsidiados. Imaginem-se vocês no lugar desses pais de coração aflito. A palavra da Boa Nova, porém, transformará o clima doméstico. Com o ensinamento de Jesus, os desencarnados menos felizes mostrar-se-ão tocados de remorso e os amigos que nos propomos socorrer encontrarão forças multiplicadas para a sustentação da paciência. Para isso, nós, os humildes trabalhadores espirituais, necessitamos das vozes e das mãos de vocês. Estimaremos, assim, ouvi-los a respeito do assunto. Quem do grupo é capaz de ajudar-nos nesse cometimento? Basta estejamos na casa dos Silverini, duas horas por noite, duas vezes por semana...
Ninguém respondeu.
Venâncio, contudo, voltou à carga, perguntando nominalmente:
— Que me diz, César?
E César, o diretor da equipe, gaguejou:
— Eu, meu amigo? Realmente, não tenho qualidades. Sou um lobo em pele de ovelha. Estou aqui por acaso. Tenho um gênio rude, violento... Receio agravar a situação...
E o curioso inquérito prosseguiu.
— E a senhora, irmã Júlia?
— Decididamente, sou a última — respondeu a dama referida. — Reconheço-me incapaz. Em casa, todos me dizem descontrolada, falastrona...
— E a senhora, irmã Nícia?
— Ora, Venâncio, temos em sua presença o carinho de um pai; no entanto, a sua bondade compreenderá... Sou mãe solteira. Você sabe que a Doutrina Espírita foi minha tábua de salvação, para que não descesse a muitos desatinos. Não tenho coragem de enfrentar...
— E a senhora, irmã Cláudia?
— Ainda sou uma obsidiada. Há momentos em que sinto enorme dificuldade para suportar a mim própria. Creio que minha cooperação apenas conseguiria piorar...
— E o nosso Lauro?
O moço apontado tartamudeou, triste:
— Quando vim para cá, era fichado na polícia. Com a bênção de Deus, sou agora outro homem. Ainda assim, temo criar problemas…
— E a irmã Gina?
— Eu, Venâncio? Logo eu? — disse a senhora que fora nomeada — também não posso... Sou um abismo de inferioridades e tentações...
— E o irmão Souza?
— Minha boa vontade é grande — afirmou o amigo chamado a testemunho —; contudo, sofri pesada falência no ano passado. Desde que fechei minha loja, tenho letras protestadas... De que jeito iria falar no Evangelho? Dou graças a Deus por não estar na cadeia...
— E você, irmão Ciro?
Entretanto, o rapaz trazido a pronunciar-se explicou:
— Sou franco... Não passo de um animal. Sem o amparo de nossa reunião, estaria na sarjeta. O silêncio caiu pesado.
Venâncio, após refletir alguns momentos, retomou a palavra e orou com inflexão de profunda tristeza, rogando a Jesus encorajamento ao trabalho.
Havia, porém, tanta amargura na voz do amigo espiritual, que, ao término da petição, o dirigente da casa indagou, inquieto:
— Ouça, Venâncio! Está você agastado conosco?
— De modo algum — replicou o benfeitor.
E acrescentou:
— Cada um dá o que tem. Sei que experimentam grandes obstáculos. Mas se vocês estão aguardando asas de anjos para poderem auxiliar na Terra, eu sou alma humana com necessidade de serviço, a fim de curar as minhas próprias imperfeições...Até que vocês cheguem ao Céu, vai levar muito tempo, e eu, sinceramente, não posso esperar...
E antes que os amigos, repentinamente despertos para a responsabilidade, conseguissem emitir novas opiniões, Venâncio despediu-se.
(Contos desta e doutra vida. Irmão X. Psicografado por Chico Xavier)