A Mediunidade Curadora

        O conhecimento da mediunidade curadora é uma das conquistas que devemos ao Espiritismo; mas o Espiritismo, que começa, ainda não pode ter dito tudo; não pode, de um só golpe, mostrar-nos todos os fatos que abarca; diariamente os mostra novos, dos quais decorrem novos princípios, que vêm corroborar ou completar os que já conhecíamos, mas precisamos de tempo material para tudo. A mediunidade curadora deveria ter a sua vez; embora parte integrante do Espiritismo, ela é, por si só, toda uma ciência, porque se liga ao magnetismo, e não só abarca todas as doenças propriamente ditas, mas todas as variedades, tão numerosas e tão complexas, das obsessões, que, por seu turno, também influem sobre o organismo. Não é, pois, em poucas palavras que se pode desenvolver um assunto tão vasto. Nele trabalhamos, como em todas as outras partes do Espiritismo; mas como aí nada queremos introduzir por nossa própria conta e que seja hipotético, procedemos pela via da experiência e da observação.
        Como os limites deste artigo não nos permitem dar-lhe o desenvolvimento que comporta, resumimos alguns dos princípios fundamentais que a experiência consagrou.
        1. – Os médiuns que obtêm indicações de remédios, da parte dos Espíritos, não são aquilo que chamamos médiuns curadores, pois não curam por si mesmos; são simples médiuns escreventes, que têm uma aptidão mais especial que outros para esse gênero de comunicações e que, por esta razão, podem ser chamados médiuns consultores, como outros são médiuns poetas ou desenhistas. A mediunidade curadora é exercida pela ação direta do médium sobre o doente, com o auxílio de uma espécie de magnetização de fato ou de pensamento.
        2. – Quem diz médium diz intermediário. Há uma diferença entre o magnetizador propriamente dito e o médium curador: o primeiro magnetiza com seu fluido pessoal, e o segundo com o fluido dos Espíritos, ao qual serve de condutor. O magnetismo produzido pelo fluido do homem é o magnetismo humano; o que provém do fluido dos Espíritos é o magnetismo espiritual.
        3. – O fluido magnético tem, pois, duas fontes bem distintas: os Espíritos encarnados e os Espíritos desencarnados. Essa diferença de origem produz uma grande diferença na qualidade do fluido e nos seus efeitos.
        O fluido humano está sempre mais ou menos impregnado das impurezas físicas e morais do encarnado; o dos bons Espíritos é necessariamente mais puro e, por isto mesmo, tem propriedades mais ativas, que levam a uma cura mais rápida. Mas, passando através do encarnado, pode alterar-se, como acontece com a água límpida ao passar por um vaso impuro, e como sucede com todo remédio, se permanecer num vaso sujo, perdendo, em parte, suas propriedades benéficas. Daí, para todo verdadeiro médium curador, a necessidade absoluta de trabalhar a sua depuração, isto é, o seu melhoramento moral, segundo o princípio vulgar: limpai o vaso antes de vos servirdes dele, se quiserdes ter algo de bom. Só isto basta para mostrar que não é qualquer um que pode ser médium curador, na verdadeira acepção da palavra.
        4. – O fluido espiritual será tanto mais depurado e benfazejo quanto mais o Espírito que o fornece for mais puro e mais desprendido da matéria. Concebe-se que o dos Espíritos inferiores deva aproximar-se do [fluido] do homem e possa ter propriedades maléficas, se o Espírito for impuro e animado de más intenções.
        Pela mesma razão, as qualidades do fluido humano apresentam matizes infinitos, conforme as qualidades físicas e morais do indivíduo. É evidente que o fluido emanado de um corpo malsão pode inocular princípios mórbidos no magnetizado. As qualidades morais do magnetizador, isto é, a pureza de intenção e de sentimento, o desejo ardente e desinteressado de aliviar o semelhante, aliados à saúde do corpo, dão ao fluido um poder reparador que pode, em certos indivíduos, aproximar-se das qualidades do fluido espiritual.
        Seria, pois, um erro considerar o magnetizador como simples máquina de transmissão fluídica. Nisto, como em todas as coisas, o produto está na razão do instrumento e do agente produtor. Por estes motivos, seria imprudência submeter-se à ação magnética do primeiro desconhecido. Abstração feita dos conhecimentos práticos indispensáveis, o fluido do magnetizador é como o leite de uma nutriz: salutar ou insalubre.
        5. – Sendo o fluido humano menos ativo, exige uma magnetização continuada e um verdadeiro tratamento, por vezes muito longo. Gastando o seu próprio fluido, o magnetizador se esgota, pois dá de seu próprio elemento vital; é por isto que ele deve, de vez em quando, recuperar suas forças. O fluido espiritual, mais poderoso, em face de sua pureza, produz efeitos mais rápidos e, muitas vezes, quase instantâneos. Como esse fluido não é o do magnetizador, resulta que a fadiga [do médium que o transmite] é quase nula.
        6. – O Espírito pode agir diretamente, sem intermediário, sobre um indivíduo, como foi constatado em muitas ocasiões, seja para o aliviar e o curar, se possível, seja para produzir o sono sonambúlico. Quando age por um intermediário, é o caso da mediunidade curadora.
        7. – O médium curador recebe o influxo fluídico do Espírito, ao passo que o magnetizador haure tudo de si mesmo. Mas os médiuns curadores, na estrita acepção do termo, isto é, aqueles cuja personalidade se apaga completamente diante da ação espiritual, são extremamente raros, porque essa faculdade, elevada ao mais alto grau, requer um conjunto de qualidades morais, raramente encontradas na Terra; só estes podem obter, pela imposição das mãos, essas curas instantâneas que nos parecem prodigiosas. Pouquíssimas pessoas podem pretender este favor. Sendo o orgulho e o egoísmo as principais fontes das imperfeições humanas, daí resulta que os que se vangloriam de possuir esse dom, que por toda parte vão enaltecendo as curas maravilhosas que fizeram, ou que dizem ter feito, que buscam a glória, a reputação ou o lucro, estão nas piores condições para o obter, porque essa faculdade é privilégio exclusivo da modéstia, da humildade, do devotamento e do desinteresse. Jesus dizia àqueles a quem havia curado: Ide dar graças a Deus e não o digais a ninguém.
        8. – Sendo, pois, a mediunidade curadora pura uma exceção aqui na Terra, resulta quase sempre uma ação simultânea do fluido espiritual e do fluido humano; ou seja: os médiuns curadores são todos mais ou menos magnetizadores, razão por que agem conforme os processos magnéticos. A diferença está na predominância de um ou de outro fluido, e na maior ou menor rapidez da cura. Todo magnetizador pode tornar-se médium curador, se souber fazer-se assistir por bons Espíritos. Neste caso os Espíritos lhe vêm em ajuda, derramando sobre ele seu próprio fluido, que pode decuplicar ou centuplicar a ação do fluido puramente humano.
        9. – Os Espíritos vêm aos que querem; não os pode constranger nenhuma vontade; eles se rendem à prece, se esta for fervorosa, sincera, mas nunca por injunção. Disto resulta que a vontade não pode dar a mediunidade curadora [porque ela precisa da ajuda dos Espíritos] e ninguém pode ser médium curador com desígnio premeditado. Reconhece-se o médium curador pelos resultados que obtém, e não por sua pretensão de o ser.
        10. – Mas se a vontade é ineficaz quanto ao concurso dos Espíritos, é onipotente para imprimir ao fluido, espiritual ou humano, uma boa direção e uma energia maior. No homem indolente e distraído, a corrente é fraca, a emissão é lenta; o fluido espiritual para nele, mas sem que o aproveite. No homem de vontade enérgica, a corrente produz o efeito de uma ducha. Não se deve confundir a vontade enérgica com a obstinação, porque esta é sempre uma consequência do orgulho ou do egoísmo, ao passo que o mais humilde pode ter a vontade do devotamento.
        A vontade é ainda onipotente para dar aos fluidos as qualidades especiais apropriadas à natureza do mal. Este ponto, que é capital, liga-se a um princípio ainda pouco conhecido, mas que está em estudo: o das criações fluídicas e das modificações que o pensamento pode produzir na matéria. O pensamento, que provoca uma emissão fluídica, pode operar certas transformações, moleculares e atômicas, como se veem ser produzidas sob a influência da eletricidade, da luz ou do calor.
        11. – A prece, que é um pensamento, quando fervorosa, ardente e feita com fé, produz o efeito de uma magnetização, não só reclamando o concurso dos bons Espíritos, mas dirigindo sobre o doente uma corrente fluídica salutar. A respeito chamamos a atenção para as preces contidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, pelos doentes ou pelos obsediados.
        12. – Se a mediunidade curadora pura é privilégio das almas de escol, a possibilidade de abrandar certos sofrimentos, mesmo de curar certas doenças, ainda que de maneira não instantânea, é dada a todos, sem que haja necessidade de ser magnetizador. O conhecimento dos processos magnéticos é útil em casos complicados, mas não indispensável. Como a todos é dado apelar aos bons Espíritos, orar e querer o bem, muitas vezes basta impor as mãos sobre uma dor para a acalmar; é o que pode fazer qualquer pessoa, se trouxer a fé, o fervor, a vontade e a confiança em Deus. É de notar que a maioria dos médiuns curadores inconscientes, os que absolutamente não se dão conta de sua faculdade e que por vezes são encontrados nas mais humildes posições, e em gente privada de qualquer instrução, recomendam a prece e se socorrem orando. Apenas sua ignorância lhes faz crer na influência de tal ou qual fórmula; às vezes até misturam práticas evidentemente supersticiosas, às quais se deve conferir o valor que merecem.
        13. – Mas porque se obteve resultados satisfatórios, uma ou mais vezes, seria temerário considerar-se médium curador e daí concluir que se pode vencer toda espécie de mal. Prova a experiência que, na acepção restrita da palavra, entre os mais bem-dotados não há médiuns curadores universais. Este terá restituído a saúde a um doente e nada produzirá sobre outro; aquele terá curado um mal num indivíduo, mas não curará o mesmo mal outra vez, na mesma pessoa ou em outra; enfim, aquele outro terá a faculdade hoje e não mais a terá amanhã, podendo recuperá-la mais tarde, conforme as afinidades ou as condições fluídicas em que se encontre.
        14. – A mediunidade curadora é uma aptidão inerente ao indivíduo, como todos os gêneros de mediunidade; mas o resultado efetivo dessa aptidão independe de sua vontade. Incontestavelmente ela se desenvolve pelo exercício e, sobretudo, pela prática do bem e da caridade; como, porém, não poderia ter a fixidez, nem a pontualidade de um talento adquirido pelo estudo e do qual se é sempre senhor, jamais poderia tornar-se uma profissão. Seria, pois, abusivamente que alguém se anunciasse ao público como médium curador. Estas reflexões não se aplicam aos magnetizadores, porque a força está neles e estão livres para a utilizar.
        15. – É um erro acreditar que os que não partilham de nossas crenças não teriam a menor repugnância em experimentar esta faculdade. A mediunidade curadora racional está intimamente ligada ao Espiritismo, já que repousa essencialmente sobre o concurso dos Espíritos. Ora, os que não creem nos Espíritos, nem na alma, e, ainda menos, na eficácia da prece, não poderiam colocar-se nas condições requeridas, pois isto não é coisa que se possa experimentar maquinalmente. Entre os que creem na alma e em sua imortalidade, quantos ainda hoje não recuariam de pavor ante um apelo aos bons Espíritos, por medo de atrair o demônio, e ainda acreditam de boa-fé que todas essas curas sejam obra do diabo? O fanatismo é cego; não raciocina. Por certo nem sempre será assim, mas ainda passará muito tempo antes que a luz penetre em certos cérebros. Enquanto se espera, façamos o maior bem possível com o auxílio do Espiritismo; façamo-lo mesmo aos nossos inimigos, ainda que tivéssemos de ser pagos com ingratidão, pois é o melhor meio de vencer certas resistências e de provar que o Espiritismo não é assim tão negro como alguns o pretendem.
Obs.: Foi suprimido uma parte do início do texto original.
(Revista Espírita.  Setembro de 1865. A mediunidade curadora.  Allan Kardec)

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