Quando menino, ganhei uma medalha na escola como prêmio ao aluno que sabia ler melhor. Senti-me feliz e estufei de orgulho. Quando a aula terminou voltei para casa correndo e entrei na cozinha como um furacão. A velha empregada, que estava conosco havia muitos anos, ocupava-se no fogão.
Sem nada comentar fui direto a ela, dizendo-lhe:
— Aposto que sei ler melhor do que você.
E estendi-lhe o meu livro de leitura. Ela interrompeu o seu trabalho e tomou o volume. Examinando cuidadosamente as páginas, terminou por gaguejar:
— Bem, meu filho... eu... eu não sei ler.
Fiquei atônito. Sabia que papai estava em seu escritório àquela hora e voei para lá. Ele ergueu a cabeça quando eu entrei, suando, com o rosto em fogo e lhe disse:
— Imagine, papai, a Maria não sabe ler. E é uma velha. Eu, que ainda sou pequeno, já ganhei até medalha. Olhe só! E estufei o peito para a frente para que ele visse o meu troféu.
E perguntei:
— Deve ser horrível não saber ler, não é, papai?
Com toda a tranqüilidade, meu pai ergueu-se, foi até uma estante e voltou de lá com um livro.
— Leia este livro para eu ver, meu filho. Foi maravilhoso você ter ganho a medalha. Leia para eu ouvir.
Não titubeei, abri o volume e olhei para o meu pai cheio de surpresa. As páginas continham o que parecia ser centenas de pequenos rabiscos.
— Não posso, papai. Eu não entendo nada disto que está aqui.
— É um livro escrito em chinês.
Imediatamente me lembrei do que fizera a Maria e me senti envergonhado.
Papai não disse mais nada e eu, pensativo, deixei o livro em sua escrivaninha e saí.
Até agora, toda vez que me sinto tentado a jactar-me por qualquer coisa que tenho feito, lembro-me do quanto ainda me falta aprender e digo de mim para comigo:
— Não se esqueça que você não sabe ler chinês!
(Fonte: E, para o resto da vida ... de Wallace Leal V. Rodrigues)